Wong Shun Leung foi considerado um dos alunos mais avançados do mestre Ip Man e era conhecido
na sua mocidade como o “rei das mãos falantes” (The King of Talking Hands) por
ter participado de diversas disputas em ruas e terraços nos prédios de Hong
Kong contra lutadores de outras escolas de Kung Fu e por supostamente não ter
perdido nenhuma. Ele já era um
respeitado jovem instrutor entre os
discípulos quando o adolescente Bruce Lee veio trazido pelo pai para ser
apresentado ao mestre de Wing Chun Ip Man em busca de uma arte marcial que
disciplinasse o filho e controlasse o seu ímpeto rebelde. Ip Man aceitou o
jovem Lee Jun Fan (Bruce Lee) como discípulo em consideração à amizade pelo seu
pai, o famoso ator de ópera chinesa, Lee Hoi Chuen; mas, na verdade, os
conhecimentos práticos de luta foram repassados ao jovem Lee por Wong Shun Leung. Bruce treinou Wing Chun Kung Fu sob a supervisão de Ip Man e teve a
instrução particular de Wong Shun Leung por quatros anos, até partir para os
Estados Unidos, em 1959.
O jovem Bruce Lee foi aceito como discípulo de Ip Man... |
Mas Lee tomaria aulas particulares com um dos discípulos mais avançados, Wong Shun Leung. |
O "rei das mãos falantes", Wong Shun Leung. |
Parte do
ensinamento que pode assimilar e que levou como bagagem para os Estados Unidos
foi repassado por Wong, e Bruce reconheceu isso anos mais tarde, pouco antes de
morrer. É bom frisar que Bruce Lee não teve tempo de aprender todas as formas e
técnicas da escola Ip Man de Wing Chun, mas a boa base que absorveu foi o suficiente
para que na América ele iniciasse seu sonho de se tornar o melhor artista
marcial de todos os tempos mesclando técnicas efetivas das artes marciais
orientais e ocidentais, não importando sua origem ou filosofia, mas apenas a
sua efetividade em um combate real sem regras. Mas isso já é outra história.
Baseado nos
escritos de Wong Shun Leung, que se tornou livro posteriormente à morte de
Bruce Lee em 1973, relato o conteúdo da conversa ocorrida no último encontro
entre Bruce Lee e mestre Wong Shun Leung, pouco antes do Pequeno Dragão
falecer. O que é dito aqui foi publicado após a morte de Bruce Lee, as únicas testemunhas
que presenciaram o que foi discutido na ocasião foram somente Lee e Wong,
portanto trata-se da versão de apenas um dos lados, a de Wong Shun Leung. Mesmo
porque Bruce faleceu em julho de 1973, poucos meses após esse encontro entre os
dois e, Wong, apesar de ter descrito e autorizado a publicação do conteúdo
dessa conversa, já não pode ser mais contestado, pois já é falecido também.
Portanto o que nos resta é confiar nas memórias escritas do mestre Wong,
fazendo uma análise coerente do texto, apesar de estar evidente que em alguns
momentos Wong Shun Leung procurasse desmistificar e, de certa forma,
depreciar a imagem do Rei do Kung Fu, no meu entender.
O encontro entre os dois mestres - Segundo
as palavras de Wong Shun Leung: Bruce estava muito obcecado em manter a sua
forma física. Eu não digo isso sem algum fundamento. Bruce tinha chegado a uma
posição em que só podia olhar para cima.
Ele não podia recuar porque temia ser superado por outro artista
marcial. Foi esse tipo de pensamento que o pressionou e eu (Wong Shun Leung)
lamentei por isso.
Cerca de
dois meses antes dele morrer (por volta de maio de 1973), ele me telefonou
dizendo que queria ir à minha academia para tirar algumas fotos. Era um dia de
domingo em Hong Kong. Mas minha família tinha planos para sair num passeio e eu
tive que negar o seu pedido. Mais tarde me arrependeria por ter recusado sua
solicitação. Nós éramos velhos conhecidos. Eu deveria tê-lo deixado tirar
algumas fotos, mas agora não há mais como nos vermos. Embora não tivesse
concordado com sua visita naquele momento, prometi visitá-lo posteriormente em sua casa (na 41
Cumberland Road, em Kowloon Tong).
A casa de Bruce em Kowloon Tong, onde se deu o encontro com Wong. |
Lá nós falamos sobre nossas experiências e idéias sobre as
artes marciais e as comparamos. Logo depois, ele deixaria Hong Kong para
resolver alguns compromissos cinematográficos (provavelmente relacionados com a
divulgação e promoção de Operação Dragão). Quando ele retornou, ele me ligou me
convidando para participar de alguns testes de tela para O Jogo da Morte (The
Game of Death). Eu não concordei em
participar do filme, mas fui participar de um teste de tela para agradá-lo. Eu
levei um aluno chamado Wan, junto. A luz do estúdio era muito mais forte do que
na casa de Bruce. Na criação da cena, por um momento, nossos olhos se cruzaram
e percebi em seu olhar algo desconfortável
e muito familiar para mim.
Bruce desfilava com sua câmara no set de Enter the Dragon. |
No intervalo dos testes, ele pendurou sua câmara caríssima no pescoço
e andava para lá e para cá com orgulho, como se procurasse exibir sua aparência
máscula. O estúdio estava abafado. No intervalo saí para descansar um pouco.
Mas o que tinha acabado de perceber nos olhos de Bruce tinha vindo à minha
mente. Por que eu me senti familiarizado com aquilo? Onde teria visto tal
fenômeno? Finalmente me veio a resposta. Eu tinha percebido o mesmo fenômeno
meses antes de minha tia falecer. Eu era
ainda muito pequeno, mas por minha família ter muitos médicos, eu tinha
aprendido alguns conhecimentos e aprendido a observar alguns fenômenos
fisiológicos. Percebi que o preto e o
branco dos olhos de Bruce não estavam “vivos”.
Enquanto eu divagava sobre isso, Bruce saiu e veio até mim. Eu
imediatamente perguntei: Você se sente cansado? Eu vejo que a cor dos seus
olhos está diferente. Foi porque você morou em terras estrangeiras por um longo
tempo?
“Não, eu não vejo nenhuma diferença”, respondeu Bruce.
Eu concluí que talvez fosse porque ele estava trabalhando
demais, então eu o aconselhei a descansar mais, pois mesmo que o homem pudesse
trabalhar como um máquina, ele acabaria por quebrar, se não tivesse nenhum
descanso.
Wong Shun Leung e discípulo em teste para filmagens. |
Lee, Wong e seu discípulo, no set de Operação Dragão, em 1973. |
Ele já tinha acabado de fazer Operação Dragão – “Enter the
Dragon – 1973” (*1), se você viu o filme, você poderá concordar com a minha
observação. Neste filme, seus olhos
estão sem graça e sombrios. Seu olhar neste filme é bem diferente de “O Dragão
Chinês” (The Big Boss - 1971). Eu realmente esperava que o olhar sem brilho em
seus olhos fosse o resultado de excesso de trabalho, mas eu estava apenas
tentando entender isso. Eu não consegui
apagar aquela sensação ruim.
Concluindo que a situação dele poderia piorar, não quis comentar mais nada
sobre isso.
(*1) As filmagens de Operação Dragão foram concluídas em março
de 1973. Nos meses seguintes viriam os processos de montagem e dublagem.
(Retornando à visita feita na sua casa) cerca de dois meses antes
de Bruce Lee morrer (por volta do mês de maio de 1973), discutimos e comparamos
os resultados de nossas pesquisas sobre o Kung Fu, enquanto nossas esposas
conversavam no lado de fora.
Comparações e
competição - Inicialmente, Bruce queria testar o poder dos nossos socos. Ele
(também) queria saber a minha idade (talvez Bruce quisesse testar a condição
física de Wong que era cerca de 10 anos mais velho do que ele, que estava com 32
anos). Ele testou uma vez e depois tornou a repetir o procedimento mais uma vez
(Wong não descreveu como foram realizados tais testes) . Ele ainda era
poderoso, mas não tão poderoso como
alguns anos atrás. Ele estava mais preparado antes. (A mudança) Pode ter ocorrido porque antes
ele tinha uma vida mais disciplinada, não tinha tantos compromissos e era mais
jovem. As coisas eram diferentes agora,
ele era famoso e mudanças ocorreram em diversos aspectos de sua vida. Além
disso ele tinha um nível de vida mais saudável. Quando um atleta não tem
prática e descanso suficientes e passa a depender de vitaminas para sustentá-lo, os resultados
finalmente, não serão bons. Bruce viveu
esse tipo de vida por um longo tempo (de 1970, a partir de sua lesão nas costas,
até 1973, já em Hong Kong e após o
término das filmagens de Operação Dragão). Embora a máquina eletrônica, o aparelho
elétrico de EMS (2*) pudesse ajudá-lo de alguma forma, seus fardos mentais e
físicos eram enormes.
(2*) Estas suposições de Wong foram feitas certamente algum
tempo após a morte de Lee, quando começaram a surgir revelações pessoais sobre
seu modo de vida e hábitos “secretos” até então desconhecidos pelo público em
geral. Wong não poderia questionar se seus hábitos ou rotinas eram saudáveis ou
não, antes que a imprensa marrom de Hong Kong começasse com as especulações
para vender notícias após a misteriosa morte de Lee. Assim, Wong não poderia
concluir certas coisas quando daquele encontro em 1973. Lee e Wong dificilmente
se encontravam para trocar confidências. Confiram também a matéria neste blog:
Bruce Lee, O Uso do EMS (Estimulador Muscular Elétrico) e outros Experimentos
Científicos.
Após o teste
de poder com nossos socos, comparamos os
nossos chutes. Nesta comparação, é claro, tínhamos muitas coisas em comum. No
entanto, ainda tivemos algum desacordo sobre certos pontos. Eu senti que ele
não era tão bom quanto antes (3*). Após
a comparação de chutes, ainda não tínhamos tocado na questão principal. Ele
então propôs descer as escadas para
irmos visitar sua sala de treinamento. (Ele dispunha de vários aparelhos para
trabalhar a musculatura de braços e pernas) O equipamento era muito moderno.
(3*) Em que sentido se refere Wong? Ele se referia à velocidade,
potência ou a técnica dos chutes? O que Bruce Lee acharia desta declaração do
velho amigo, se estivesse vivo na época? Considerando que Bruce estava em
melhor forma em 1971 quando das filmagens de O Dragão Chinês, ele teria perdido
tanto poder em pouco mais de 2 anos? E durante esse período ele teria
negligenciado de tal forma seus treinamentos ao ponto de cair tão notavelmente
nos aspectos físico e técnico? Não creio, e pelo nível cada vez mais criativo e
crescente nos filmes subsequentes, isso não me parecia evidente, ao contrário.
Nós nos encaminhamos ao jardim de sua casa (numa área reservada para seu
treinamento) onde havia instalado uma puching ball (adaptado) para treinar
socos. Era menor que uma bola de futebol americano e uma de suas extremidades
estava amarrada a uma mola (presa ao teto) enquanto a outra extremidade estava
presa a um fio de nylon conectado ao chão. Quando a puching ball era atingida,
girava rapidamente e proporcionalmente à força e velocidade do soco.
Bruce golpeando o saco teto-chão, provavelmente o mesmo que Wong experimentou na casa de Bruce Lee em Hong Kong. |
Bruce treinando no saco teto-chão no final dos anos de 1960 nos EUA, O aparelho era uma adaptação do puching ball do boxe. |
Depois que ele terminou com sua sequência de socos na puching ball, ele
me pediu para tentar. Mesmo que eu não tenha atingido com a mesma precisão que a
dele, a diferença entre as nossas tentativas não foi muito grande. E como esse
dispositivo foi instalado por ele, certamente ele estaria mais familiarizado
com o equipamento e acertaria com mais precisão. Essa foi a minha primeira vez
que golpei uma puching ball e por isso julguei a minha performance como muita
boa. Na verdade, isso estava além de sua expectativa (especula Wong). Meu
desempenho tinha quebrado seu sonho de
ser um “super-homem”. Na verdade Bruce achava que eu não acertaria a bola. (4*)
(4*) Embora Wong Shun Leung entendesse que Bruce Lee quisesse testar o
seu real poder nos golpes, o próprio Wong não se furta de comparar
as performances de ambos, parecendo querer diminuir a lenda em torno do poder
fantástico de Bruce Lee e ainda procurando se nivelar com ele, ou até mesmo
superá-lo, de uma forma sutil. Wong ainda afirma que Bruce Lee se considerava
num patamar acima dos outros artistas marciais, inclusive do próprio Wong Shun Leung, que orgulhoso concluiu que naquele teste com o puching ball ele teria
desmoralizado Bruce Lee com seu desempenho surpreendente. Wong teria treinado
boxe ocidental na sua mocidade, assim como Bruce Lee; sendo assim, a puching
ball não era tão novidade assim. Na verdade o equipamento que foi usado era um
“saco teto-chão” adaptado, uma variação do puching ball.
Prossegue Wong: Após o teste, ele
entendeu que a diferença entre os dois era muito pequena. E u já tinha dito a
ele: “Se um homem tem o mesmo tamanho e poder físico que o seu, mesmo que ele
não conheça Kung Fu, ele ainda poderá lutar de igual para igual com você. Você poderá ganhar
porque conhece técnicas de luta que ele desconhece. Se você não se considera um
super-homem, você terá uma vida melhor e significativa, caso contrário, você se
sentirá frio e solitário.”
Ele deveria ter se lembrado das minhas palavras e com dois dedos
descansando entre as sobrancelhas, ele meditou por um tempo. Então ele respirou
fundo e disse: “Leung eu sou diferente agora. Tenho minha vida acobertada por seguro e estou
preparado para qualquer acidente. Minha família não precisa se preocupar com
suas vidas futuras. Eu não tenho nenhuma preocupação também. Mas se alguém me
perturbar, ele deve tomar cuidado. Não tenho medo da morte, posso matar rapidamente
qualquer um que me atacar. “
Bruce parecia ter parecia ter muitos cuidados e preocupações (apesar de
ter tido o contrário?!?). Eu só podia acalmá-lo e disse: “Você não deveria
pensar dessa maneira. Ser pai é mais do que apenas deixar algum dinheiro para
os filhos. Se isso estivesse correto, então todo milionário seria um pai
modelo. Eu acho que, se você tiver
tempo, deve tentar se ocupar mais com sua esposa e filhos. Não gaste todo o seu
tempo fazendo dinheiro. Ele olhou para mim, balançou a cabeça e sorriu.
Desafios
constantes - Bruce percebeu que eu tinha sido crítico
com ele em quase tudo, mas ainda assim ele não quis discutir comigo. Então ele
mudou o assunto da conversa. Ele me perguntou se havia algum seguidor de Wing
Chun Kung Fu trabalhando no cinema de Hong Kong. Então eu disse a ele o que
sabia sobre algum artista (não identificado nesse relato). Ele estava sempre
interessado em saber sobre qualquer nova estrela dos filmes de artes marciais. Na
verdade, ninguém poderia se comparar à ele nesse momento. Enquanto golpeava a
puching ball, ele disse: “Leung, me
deixe contar sobre dois eventos que ocorreram comigo. Um dia, no set de
filmagens, conheci um extra ou figurante. Percebi seu orgulho quando ele me
disse: ‘Se eu não tenho Kung Fu de verdade, não acho que você o tem. Você é um
estúpido!’ Então ele me desafiou a lutar. Eu estava com muita raiva. Pedi a ele para descer (do paredão) para lutarmos
e ele perguntou: ‘Como poderemos nos golpear?’ Eu respondi: ‘Apenas lute, é
assim que vamos jogar’. Com um grito, chutei seu baixo abdômen usando um pouco
da minha energia, mas ele não soube se defender. Ele caiu de encontro ao quadro
de marcação do set, mas levantou e correu em minha direção. Eu chutei
novamente, mas desta vez no seu peito. Ele se machucou e parecia estar mal e
não emitiu um som sequer. Em seguida outros extras vieram para ajudá-lo, mas
ele assumiu a culpa e se desculpou. Vendo o seu estado, não quis feri-lo
novamente e o deixei ir. (*5)
Registro da luta entre Bruce Lee e um figurante que o desafiou durante as filmagens de Enter the Dragon. |
Depois de alguns dias, enquanto eu corria pela
Waterloo Hill Road, passei por um canteiro de obras. Desta vez, um dos operários da construção gritou me
desafiando a lutar com ele. Então pulei por cima de uma cerca de madeira e
fiquei diante deles e perguntei: ‘Quem quer lutar?’ No entanto, ninguém
respondeu, então eu os repreendi.”
No filme "Bruce Lee - The Man, The Mith" (1976) com outro clone, Bruce Li, a versão do incidente com os operários foi diferente do relato de Bruce Lee. |
Wong continua: Daí Bruce pronunciou algumas gírias e ouvindo
suas palavras, eu ri. Então eu disse: “certamente, você não lutou.”
Ele disse: “No final, eles inclinaram suas
cabeças e pediram desculpas por suas atitudes. Eles disseram que estavam apenas
brincando comigo. Percebendo isso, não me importei com eles e continuei fazendo
minha corrida.”
(*5) Esse incidente com o extra no set de
filmagens a que Bruce Lee se referiu, pode ser o que foi testemunhado e narrado
pelo lutador e ator Bob Wall (O’Hara em Enter the Dragon). Há várias versões
sobre essa luta. Mas todas atestam que
Bruce arrasa com o desafiante que acaba por reconhecer sua superioridade e lhe
pede desculpas. No caso do operário no
canteiro de obras, esse evento foi
encenado num filme biográfico sobre Lee, “Bruce Lee – The Man, The Mith”
(1976), com o ator Bruce Li, um dos vários clones de Lee. Mas o filme não foi
fiel ao relato de Bruce Lee, nesta versão Bruce Lee estava correndo na via
quando é parado por fãs que trabalhavam numa obra. E enquanto Bruce entretinha
os operários, surge um grupo de militares
(supostamente ingleses) que também faziam cooper e provocam a Bruce e seus fãs.
Bruce então teve que ensinar boas maneiras ao líder do grupo do seu jeito.
Ao me contar esses dois eventos, o objetivo
de Bruce era afirmar que ele lutaria com qualquer um a qualquer momento. Ele
era como uma “fera ferida”. Ele não precisava se preocupar com nenhuma outra
coisa. Se um homem famoso e rico fosse normal, ele não se comportaria dessa
maneira, a menos que tivesse algum segredo em oculto (especula Wong). Ele
parecia saber que morreria jovem. E não
importava o quanto ele fingisse ou tentasse encobrir, seus pensamentos se revelariam nas suas palavras e atitudes.
Na frente de seu amigo íntimo, era muito mais difícil esconder o seu verdadeiro
eu.
Entre as pessoas no mundo do cinema, a vida
de Bruce poderia parecer disciplinada, no entanto, o modo e lugar para se
morrer não pode ser arranjado de antemão e de acordo com a vontade da pessoa.
Muitas pessoas sugeriram diversas razões para sua morte que mancharam o seu bom
nome. De fato, não podemos ser muitos rigorosos nisso, se formos extremamente
críticos, até Confúcio não poderá se sustentar adequadamente.
Concorrência
no cinema - (Depois de testarem os socos no Puching
Ball) Continua Wong Shun Leung:
Subimos para o quarto de Bruce e nos sentamos. Bruce começou a comentar
sobre algumas atuações e habilidades
demonstradas em alguns filmes de artes marciais realizados. Ele pediu minha
opinião também, mas raramente eu assistia filmes de artes marciais. Portanto eu
não estava qualificado para emitir alguma opinião. Ele trabalhou nesse campo
por muitos anos, assim ele deveria estar muito mais familiarizado com essas
coisas do que eu. Seus comentários foram muitos objetivos e precisos e citou
artistas como Cheng Sing, Jhoon Rhee, Jimmy Wang Yu, Wang Gia Ta (?) e Tan Tao
Liang.
Astros que surgiriam na era Bruce Lee: Chen Sing, Jhoon Rhee, Jimmy Wang Yu e Tan Tao Liang. Rivais, mas nem tanto assim... |
Além de atuar, Bruce concentrou-se
principalmente em seu Kung Fu (Jeet Kune Do). Ele também me explicou o quanto foi meticuloso
para realizar (as cenas de lutas em) seus filmes. Algumas cenas de ação eram
repetidas inúmeras vezes, antes que
fosse aceitável (para ele). Assim, a popularidade de seus filmes não foi por
acaso. Quando ele terminou seus comentários sobre as estrelas (dos filmes de
Hong Kong), ele se virou para falar sobre sua técnica exclusiva. Ele me disse:
“Leung, meus pés podem chutar em qualquer ângulo.”
Ele imediatamente se levantou e ilustrou
sua afirmação. Bruce pegou o seu escudo aparador de chutes para eu ver. Ele o
tinha usado numa performance na TV (em Hong Kong).
Ele disse: “Tente isso. (O escudo) É muito
útil. Vamos ver o quanto poderoso você é agora.
Eu respondi: “O poder do homem tem limites.
Meu corpo não é velho demais, mas não é mais possível obter um grande progresso.”
Eu entendi sua intenção. Ele queria testar
o poder do meus chutes. Pouco antes de começarmos, ele disse: “Concordo com
esse pensamento. Quando o poder atinge um certo limite, é difícil progredir
além. Ele também é deficiente em relação à idade. Eu tenho ainda muitos
equipamentos de treinamento auxiliar (ele se referia à máquina EMS para
estimulação muscular elétrica), eu posso ainda posso experimentar algumas
pequenas descobertas. Minha esperança é que, quando eu tiver 60 anos, nãos
serei insultado impunemente por outro homem de
60 anos. (*6) Segue Wong: Embora
ele tivesse essa esperança. Ele nunca
foi capaz de realizar tal desejo. Todos os seus amigos e fãs sentem muito por
isso.
(*6) Uma pequena contradição aqui, poucos
antes durante a conversa, Bruce insinuava crer que não viveria por muito mais
tempo; em seguida ele confessa sua
pretensão de estar preparado física e tecnicamente aos 60 anos, caso surja
algum contratempo.
Testando o chute
e o soco do Dragão - Então ele me pediu
para segurar o escudo para que ele pudesse fazer uma demonstração. Ele deu um
passo para trás, avançou e soltou um chute lateral. Eu não tentei resisti ao golpe me firmando. Quando sua perna me
alcançou, recuei para diminuir o impacto. Eu fiz isso porque não estávamos
competindo. Eu só podia me defender. Eu
não precisa resistir ao seu golpe. Ele tentou novamente e chutou com o pé
esquerdo desta vez. Eu voltei a recuar para amenizar o impacto do chute. Quando
seu terceiro chute veio contra mim, não consegui mais recuar, pois já estava
encostado na parede. Então me esquivei e desviei sua perna.
O famoso chute lateral de Bruce Lee exibido em "O Voo do Dragão" (1972). O escudo não é suficiente para absorver o impacto do golpe. |
Bruce Lee golpeia o escudo protetor seguro por Bob Baker em exibição para TV em Hong Kong, por volta de 1972. Baker passa por cima da cadeira e rola ao chão. |
Bruce me perguntou: “Leung, o que acha do
meu chute? De fato posso chutar a qualquer momento e de qualquer ângulo.
Observe meus músculos.” Bruce me mostrou os seus músculos do baixo-ventre. Eles
eram firmes. Isso provou que ele passou um bom tempo se condicionando
fisicamente.
Eu disse a ele: “Sem dúvida, sua velocidade
e poder de impacto são bons. No passado, você treinou duro. Os resultados que
você tem agora não são facilmente obtidos. O resultado é proporcional ao
trabalho. É uma regra.”
Em seguida, Bruce me pediu para testar o
poder e a velocidade de seu soco. Para mostrar a rapidez de seu soco, ele me
pediu para tentar bloqueá-lo. Eu tinha visto como ele fez isso (em demonstração)
na TV. Ele descansava o punho no peito e depois o lançava. A reação automática
a isso seria bloquear o seu punho. Portanto ele poderia voltar com o seu punho
em menos tempo. Quando alguém se concentrava em pegar o seu punho, seria
enganado ao tentar seguir o movimento de seu braço. Eu conhecia bem a
psicologia de Bruce. Sua performance na TV foi sensata. (*7)
Bruce Lee demonstra sua velocidade de ataque contra o faixa-preta de Shorin Ryu karate, Shotokan Karate e Kempo, Victor Moore, na exibição em Long Beach em 1966. Wong questionava tais demonstrações. |
(*7) Wong Shun Leung talvez teria sido o
primeiro a considerar essa demonstração de velocidade dos punhos de Bruce como um
truque ilusório. Alguns outros, depois
de sua morte, começaram também a questionar tais demonstrações. Mas Bruce não estava mais vivo
para rebater. Talvez os mesmos quisessem que Bruce Lee os atingissem
verdadeiramente com velocidade e impacto para eles perceberem se a sua velocidade
e poder eram ou não reais.
Wong prossegue: Eu ri e disse: “Bruce! Você me trata como o seu público.
Eu vi o seu desempenho na TV. Você é inteligente, mas não pense que eu sou
idiota (Wong acabou de chamar o público de idiota). Eu vi como você diminuiu sua velocidade para acertar o peito do seu oponente para que
ele pudesse bloquear o seu soco facilmente. Você então o elogiou e pediu-lhe
para se preparar novamente. Na próxima investida, você fintou no seu abdômen,
enganando seu adversário que esperava outro golpe no peito. Claro que ele não acharia seu soco. Então
você tocou em seu rosto com sua mão. Na verdade, você poderia tê-lo tocado
várias vezes, porque ele ficou surpreso com o seu truque. Esse foi o fruto de
seu estudo de psicologia.”
Bruce então retrucou: “Você acha que o meu Kung Fu é falso?”
Eu respondi: “Isso não é totalmente correto. Uma parte de seu Kung Fu é
real, mas você não pode negar que parte dele é usado para performance.”
Na conversa, Wong praticamente rebatia todos os pontos de vista de Bruce Lee. |
Nós descansamos por um tempo e eu disse a ele: “Se você poder quebrar
uma chapa de ferro com seu soco e eu só posso quebrar uma pedra, é claro que
tem mais força do que eu. No entanto, se eu te golpear, você acha que poderia
suportar isso? Portanto, o poder é muito importante, mas quando você atinge um
certo nível, a capacidade é mais importante.”
Bruce enfatizava a praticidade. Mas sua performance buscava por poder e
beleza. Quando eu trouxe essa questão do poder ou aperfeiçoamento e capacidade,
Bruce sorriu. Ele me perguntou: “Você já pensou em outras questões?”
“O que você quer dizer?”, perguntei.
Bruce respondeu: “ O que quero dizer é a questão da performance. Você
não pode exibir sua capacidade. Mesmo que você tenha feito uma explicação longa
e detalhada, o público ainda achará difícil entender seu significado. E eles
também não vão acreditar. Além disso, eles não terão nenhum interesse em sua
teoria. Mas quando você lhes mostrar seu poder, eles entenderão imediatamente.
Eles vão sentir isso também. Essa é minha opinião sobre o desenvolvimento do
poder e da capacidade!”
Pode haver alguma verdade em suas palavras. Para ele, em se tratando de
um professor de boxe americano, a exposição de seu poder é inevitável.
Ocidentais são práticos. No entanto, a capacidade do boxe não será compreendida
em pouco tempo. Temos que ver as coisas de diferentes ângulos.
Meu julgamento sobre ele representa apenas o meu ponto de vista.
Claramente negligenciei seu ambiente e ponto de vista. Sua família tem muito a
ver com o show business. (*8) Ele naturalmente prestaria mais atenção ao
elemento do desempenho ou performance. Por outro lado, em sua performance, ele
procurou por beleza e poder. No entanto, no aspecto da capacidade, ele se
desviara. (*9) Por exemplo, ele usou uma técnica irracional para atacar seu
“oponente” que não era expert em Kung Fu (Wong refere-se a uma exibição).
Porque ele tinha boa velocidade e estava preparado psicologicamente, seu
oponente não pôde reagir adequadamente ao seu ataque. (Wong ainda insinua...)
Gradualmente, esse tipo de ação pode ter se tornado um de seus hábitos. Ele então poderia ter sido capturado pelo seu
própria armadilha. Possivelmente ele deixou o razoável pelo irracional. É claro
que em nossa conversa havíamos tocado nesse problema. Mas ele não concordou
comigo sobre este ponto. Ele duvidou das minhas palavras.
(*8) O pai de Bruce era um famoso e querido ator de Ópera Chinesa
tradicional em Hong Kong; o irmão caçula de Bruce, Robert, se tornou músico e cantor
de pop rock na década de 1970; enquanto seu irmão mais velho, Peter, foi
campeão de esgrima de Hong Kong. Ou seja, Bruce nasceu num ambiente em que a
família respirava teatro, cinema, música e esporte; sendo assim, não foi por acaso que ele se
enveredou precocemente no cinema de Hong Kong, ainda menino. Sem esquecer que o
próprio Lee foi campeão de dança Cha Cha Chá em parceria com seu irmão caçula
Robert, em 1958.
(*9) Bruce sabia separar as coisas perfeitamente, e quem conhece sua
história sabe que ele distinguia claramente sua performance plástica e elegante
nas lutas de seus filmes de seu despenho real numa luta de rua ou num combate
sem regras. Wong Shun Leung parecia desconhecer isso na época desta conversa
ocorrida em 1973. Tanto é que Bruce Lee
já tinha desenvolvido o conceito do Jeet Kune Do (Caminho do Punho Interceptor)
no final da década de 1970. Visando uma resposta direta e eficiente dentro de
um combate real. O próprio Lee declarava que os chutes altos eram de grande
efeito visual nas telas, mas numa luta real não seria aconselhável aplicar tal
técnica, preferindo os chutes baixos na canela, coxas e testículos. Para ele, o principal num
combate não seria a exibição de técnicas e sim terminar a luta o mais rápido
possível usando todos os meios possíveis, desde que eficientes, rápidos e
diretos. Até hoje muitos admiradores de Bruce Lee ainda não sabem separar o
ator e grande “performer” dos filmes de artes marciais do lutador real e
artista marcial inovador.
Ele (Lee) perguntou: “Então o que você vê? Em que se baseia?”
Respondi: “Baseio-me no que você acabou de dizer quando me pediu para
bloquear seu punho. Quando você descansa o punho no peito, pode desferir um
soco e se retrair mais rapidamente. Se você quiser subjugar seu inimigo é mais
importante socar rápido do que retrair rapidamente. Na luta real, entretanto,
seu oponente não pode parar seu soco, mas ele pode atacar seu corpo. Um
estrategista ruim poderá evitará seu ataque, mas um bom tentará contra-atacar.
Nós praticamos Kung Fu porque queremos ser capazes de lidar com oponentes que
são mais fortes que nós. Nós não praticamos Kung Fu para enfrentar um
adversário inferior.”(*10)
(*10) Aqui Wong Shun Leung parece estar falando com um lutador ingênuo
e inexperiente, que não sabe distinguir o real do ilusório num combate. Wong afirma
ter dito realmente essas palavras à Bruce Lee, que as teria escutado como se
fosse uma grande novidade. Percebi aqui uma forma sutil de desmerecimento à imagem
de Bruce Lee que foi um grande artista
marcial e que deveria ser sempre lembrado como tal.
Eu continuei: “Se você socar horizontalmente no peito de um homem que
pesa 200 kg, não será fácil para você empurrá-lo para longe. Pelo contrário,
seu soco irá dobrar seu corpo e o grande homem lançará seus braços em torno de
você. Se você disser que seu soco é pesado, você está sendo subjetivo para
definir seu soco. Existe algum boxeador profissional que não pese algumas
centenas de libras? Eles não são capazes de suportar socos pesados? Mas se você
bater em linha reta, mesmo que você não
possa empurrá-lo, a reação virá contra você. Você ainda pode manter seu
oponente à distância e, se certamente seu oponente for fraco, essa ação ficará
ainda mais bonita. Em seu filme você poderá fazer do seu próprio jeito, mas não
deixe que isso se torne um mau hábito e, inconscientemente, considerar isso
como um poderoso ataque. Você consegue perceber o que digo? (*11)
Bruce meditou por um tempo e disse: “Sim, mas você não precisa se preocupar com isso em combate. O combate exige uma abordagem geral.
Lee demonstrando o Soco de uma Polegada na TV em Hong Kong por volta de 1971. Lee atravessa uma tábua de madeira com um soco sem tomar impulso ou projetar seu corpo. Utiliza apenas o giro do quadril e a energia necessária gerada por músculos específicos para projetar seu punho esmagador. |
(*11) Talvez aqui, Wong se referisse ao famoso Soco de uma Polegada,
usado por Bruce Lee nas demonstrações nos Torneios Internacionais de Karate em
Long Beach (1964 e 1966) e posteriormente nas TVs de Hong Kong (1971 e 1972).
Quem em sã consciência usaria tal técnica numa luta real? Só em demonstrações ou em filmes poderia
funcionar perfeitamente. Bruce demonstrava o Soco de uma Polegada somente para
ilustrar a importância do movimento dos quadris em conjunto com músculos
específicos que poderiam gerar um tremendo impacto ao socar sem tomar distância
ou impulso.
Eu respondi: “Eu não me oponho a esta afirmação. Mas agora que você
atingiu um estado tão elevado, não acha que precisa descartar as coisas inúteis
que estão com você? Em um combate, se sua fraqueza é exposta, pode se tornar
mortal. (*12)
(*12) Aqui Wong aconselha a Lee descartar o que for inútil como se Lee
não pensasse da mesma forma, já que ele começou a adaptar o Wing Chun ao boxe ocidental,
ao wrestler, judô, e outros estilos de artes marciais orientais na segunda
metade dos anos de 1960 nos EUA, criando o Jun Fan Gung Fu, que posteriormente
seria conhecido como Jeet Kune Do.
Conversamos por cerca de quatro horas naquela tarde. Bruce me
disse: “Na verdade eu tinha uma consulta hoje, mas como raramente nos
encontramos e conversamos, a adiei.”
Ele disse a sua esposa Linda para informar-lhes que eles iriam no
dia seguinte. Nossas esposas também estavam no quarto. Bruce então lhe disse (à
Linda): “Por favor, leve a Senhora Wong para o andar de baixo, pois temos algo
importante a discutir.”
Como nossos filhos ficaram muito tempo na sala e as mulheres não estavam
interessadas na nossa discussão, era sensato deixá-las ir.
A rivalidade entre Lee e Wong parecia evidente... |
O "rei do kung fu" vs. o "rei das mãos falantes" - Depois de uma
pausa, Bruce disse: “Leung, embora tenhamos nossas diferenças, ainda temos
muitas coisas em comum. Por exemplo, nós dois pensamos que o Kung Fu é apenas
um tipo de esporte. Você gostaria de fazer alguns movimentos?”
Eu disse: “Se for apenas por interesse e pesquisa, tudo bem. Mas se for
por competição. Eu não vou fazer isso.”
“O. K.”, respondeu Bruce.
Nós nos levantamos ao mesmo tempo. Bruce abaixou o antebraço (direito).
O outro braço (esquerdo) foi colocado abaixo do maxilar inferior, perto do
ombro, para proteção. Seu corpo virou ligeiramente para um lado. Sua perna (direita)
na frente não se firmou totalmente no chão. Sua intenção era usar seu antebraço (dianteiro) para fintar
para que ele pudesse atacar com o braço esquerdo e suas pernas. Sua intenção era
atacar com a perna (dianteira) primeiro. Se eu tentasse parar sua perna, ele
seria capaz de atacar minha parte superior.
Nesse caso, eu seria forçado a assumir uma posição passiva e defensiva.
Eu tinha praticado com ele há muito tempo e já tinha algum entendimento
sobre ele e não me apressei. Cheguei perto dele devagar e aguardei
cuidadosamente o ataque súbito de sua parte.
Quando eu estava a meio passo
dele, rapidamente agi. Rapidamente me adiantei e usei o pé para chutar sua
perna dianteira (direita). Sua resposta foi extremamente rápida. Ele retirou a
perna dianteira e inverteu a base (postura) com a esquerda à frente.
Além disso, ele foi capaz de “perfurar” minha garganta (estocada com
ponta de dedos) ao mesmo tempo. Ele agiu com experiência.
De fato, não tentei vencer com um único golpe. Quando acertei seu
joelho, não achei que ele seria facilmente atingido. Eu só tentei forçá-lo a
tomar uma posição defensiva.
Seu golpe foi rápido e poderoso. Eu tinha
levantado a mão para bloquear e usei a outra mão para perfurar a sua garganta,
mas meu peito ainda estava batido. Quando meus dedos estavam a meio centímetro
de sua garganta, parei. Nós dois paramos. Bruce disse: “Você quer machucar meu
joelho? Você é inteligente. Felizmente,
estou acostumado com esse truque. Está bem. Vamos tentar de novo.”
Desta vez, ele não estabeleceu uma postura
firme. Quando nos aproximamos um do outro, ele começou a atacar com os punhos.
Ele não usou a perna. O tipo de soco que ele usou foi o tipo que mencionei anteriormente. O objetivo desse ataque era
confundir seu inimigo. Então recuei um pouco usei minhas mãos para dissolver
seu ataque.
Não queria atacar de maneira descuidada, pois, se o fizesse, ele seria
capaz de fazer ataques pesados com os punhos e as pernas. Eu dei alguns passos para trás. Quando ele
usou seu punho direito por algum tempo eu me virei de lado e o ataquei da
direita em direção ao seu peito. Ele havia estudado Wing Chun por algum tempo e
estava familiarizado com essas táticas. Ele já sabia que eu atacaria dessa
maneira. Então ele mudou para mão direita e a usou com um dedo para bater
contra meu rosto. Para usar esse método, era preciso executar um arco. Este
método não era característico do Wing Chun Kung Fu.
Eu tinha lançado meu punho esquerdo, quando ele se afastou, e claro,
senti falta do alvo. Ele foi experiente e entendeu essa deficiência do Wing
Chun, para então usar este método. No entanto, eu tinha o visto em sua
demonstração, e então eu sabia que ele poderia usá-lo. Imediatamente, mudei meu soco esquerdo para
uma mão protetora e usei a mão direita para perfurar a sua garganta.
Apesar de não usarmos muito da nossa força, ambos fomos atingidos. Ele
pulou para longe e disse: “Leung, na verdade eu bati em você primeiro. Você concorda?”
Eu sorri e respondi: “Não leva tão a sério. Quem primeiro atingiu o
outro não é o mais importante. É a força do acerto que importa. Você está
certo, sua mão tocou primeiro, mas minha mão protetora já tinha dissolvido
muito do seu poder. Verdadeiramente, se você atacar com toda a sua força, eu
posso não ser capaz de suportar isso, mas se o poder for muito reduzido, o
ataque não será tão eficaz. Por outro
lado, minha mão alcançou sua garganta. Se realmente tivéssemos brigado,
certamente você saberia quem teria se machucado mais. (*13)
(*13) Wong Shun Leung não dava o braço a torcer, mesmo. Em resumo,
segundo seu ponto de vista, ele teria levado vantagem nessa simulação com Bruce
Lee. O problema é que não temos a versão de Bruce Lee para compararmos.
Depois deste encontro, Bruce foi para os Estados Unidos. Uma dia antes
de morrer (se assim foi, seria em 19 de julho de 1973), ele me telefonou.
O melhor amigo de
Bruce Lee - Ele me disse: “Entre meus amigos, eu te
respeito mais. Você é otimista. Você não leva fama e dinheiro a sério, sua vida
é melhor que a minha.” (*14)
Quem seria o melhor amigo de Bruce Lee, Taky Kimura ou Wong Shun Leung? |
(*14) Há controvérsias também nesta parte do relato de Wong. Não sabemos
se realmente Bruce Lee disse precisamente estas palavras. Todos os estudiosos
sobre Bruce Lee conhecem sua alta estima e consideração por aquele em que ele
disse confiar sem temor, que era Taky Kimura, a quem Bruce sempre considerou
como o seu mais fiel amigo, e a quem confiou os cuidados do Instituto Jun Fan Gung
Fu de Seattle, e quem posteriormente foi o cuidador dos túmulos de Bruce e
Brandon. Todos conhecem o desapego de Kimura pela fama e holofotes, preferindo
permanecer fiel à memória de seu fiel sifu até hoje, aos 90 anos. Kimura nunca
mencionou alguma coisa que desabonasse ou desmerecesse Bruce Lee, apesar de
sabermos que Bruce não era perfeito e tinha os seus defeitos como qualquer ser humano. Mas Kimura deixava
que sua gratidão para com ele encobrisse todas as falhas de seu melhor amigo.
Prosseguindo com o
relato de Wong: Eu então o acalmei e disse: “Eu só tento encontrar a felicidade
da vida. Se trabalharmos duro por dinheiro e fama, no final descobriremos que
estamos apenas nos torturando. Você pode viver como eu também. Viva corretamente.
Não exceda seus limites. Então você descobrirá que sua vida é melhor do que a vida dos demais.”
Mas agora estamos separados para sempre (finaliza Wong Shun Leung).
Considerações finais - Esse depoimento foi dado por Wong Shun Leung algum tempo após a
morte de Bruce Lee. Bruce o procurou por algumas vezes para conversar e
discutirem sobre Kung Fu e artes marciais em geral. Mas também o convidaria
para participar do seu projeto para O Jogo da Morte (The Game of Death). Wong
seria um dos lutadores do pagode de cinco andares que seu personagem (Hai Tien)
enfrentaria. Wong representaria um expert de Wing Chun e Praying Mantis Kung Fu. Mas Wong recusou o convite, pois (ainda) não tinha interesse para atuar
nas telas. Bruce o tinha como segunda alternativa para o personagem, pois sua
expectativa era contar com a participação de Taky Kimura em O Jogo da Morte,
apesar da timidez e insegurança deste.
Tudo indicava que seria mesmo Kimura, mas Deus não permitiu que Bruce
levasse o seu projeto adiante.
O famigerado Bruce's Deadly Fingers (1976), com o clone Bruce Le, longe de ser uma homenagem. |
Wong que dizia não acompanhar películas de artes marciais, não resiste à proposta e participa de filme que denigre a imagem de Bruce Lee. No registro acima, Wong Shun Leung e o clone Bruce Le. |
Pouco depois, Wong Shun Leung reviu seus conceitos contra filmes de
artes marciais, para participar do filme “Bruce’s Deadly Fingers”, de 1976.
Nele, Wong Shun Leung interpreta ele mesmo, como mestre instrutor de Bruce Lee
que o procura para conselhos e instruções técnicas. A versão de Bruce Lee neste
filme é caricatural, beirando ao
ridículo, interpretada por “Bruce Le”. Nesta
película, Wong o trata (Bruce Lee) como um menino mimado. Foi surpreendente
Wong, que se considerava (também) o melhor amigo de Bruce Lee,
concordar em participar de um dos muitos filmes caça-niqueis exploradores da
fama do Pequeno Dragão, no qual se destacava uma imagem cômica e negativa à
memória do Rei do Kung Fu. Foi mais um de uma dezenas de filmes que realizaram
com sósias caricaturais e clones de Bruce Lee no intuito de lucrar com a repercussão
de sua morte prematura. Tais películas estavam longe de serem consideradas
homenagens ou tributos ao Rei do Kung Fu.
Em Bruce's Deadly Fingers, Wong como mestre de "Bruce Lee", o obriga a pegar uma xícara de porcelana que ele derrubou acidentalmente. |
No filme Bruce's Deadly Fingers, Wong demonstra sua superioridade a um desastrado e imaturo Bruce Lee, ou melhor, Bruce Le. |
Uma coisa é certa, sem o surgimento de Bruce Lee, talvez o mundo não
conhecesse como hoje, o Kung Fu chinês; assim como não falaríamos do estilo Wing Chun
e do lendário Ip Man; e muito menos de Wong Shun Leung e os demais que
pegaram carona em sua fama. Se eu fosse fazer uma lista dos que conviveram ou trabalharam
com ele e que só por isso alavancaram suas “carreiras”, além dos seus
seguidores e imitadores, ocuparia um espaço razoável nesta postagem.
Sem esquecer que Bruce Lee foi um
revolucionário que pregava a liberdade e o desapego às tradições das escolas
ortodoxas de artes marciais que na sua maioria eram fechadas ao intercâmbio de
novas ideias. Na verdade Bruce tinha à todos os estilos sem se deixar prender a
nenhum. Ele ainda questionava os mestres
acomodados, gordos e flácidos que diziam
ter poderes sobrenaturais, o domínio do “Ki” e o conhecimento da suprema
verdade. Bruce foi um pioneiro em defender a importância do preparo físico, o
trabalho muscular especifico e a capacidade aeróbica para um artista marcial e
ainda a importância de um lutador ser econômico e prático num combate,
descartando as coisas inúteis e ilusórias para absorver apenas àquelas que
fossem efetivas, diretas e reais.
Wong nos anos de 1980. Ele se dizia não adepto às dietas, já que não se considerava um atleta ou performer. Sua forma física demonstrava que ele realmente não se preocupava com isso. |
Ele foi imitado, invejado, questionado, traído e odiado em vida e pós morte, mas a imagem que perdura entre os seus
verdadeiros fãs e amigos que muito o amam, é a do maior herói dos filmes de
artes marciais de todos os tempos e do maior artista marcial que já existiu,
conhecido como Lee Siu Lung ou Bruce Lee.
Walk On! |
Por Eumário J.
Teixeira