No ano de
1960 se fez praticamente dois anos que Bruce Lee era residente nos Estados
Unidos exercendo por direito sua cidadania norte-americana. Seu desejo cada vez
mais latente de aprender e se adaptar aos costumes e cultura da nova terra o
levariam a ter experiências frutíferas nos campos das artes marciais e da preparação
física; na carreira profissional como professor de Kung Fu e ator; na área
intelectual com sua formação em filosofia e; por que não, nas relações
amorosas.
Bruce Lee
era um “cara boa pinta”, carismático, simpático e inteligente, apesar de soar
arrogante e pretensioso às vezes. Assim, ele não tinha muita dificuldade em
atrair o sexo oposto.
É comum
pensar que Linda Emery (que se tornaria sua esposa em 1964) fosse sua primeira
e única namorada nos Estados Unidos, mas não foi bem assim.
Bruce Lee de mãos dadas com Amy Sanbo na cidade de Seattle, Washington |
Ele a
perseguia com olhares diretos há algum tempo e ela teria notado que ele sempre
procurava se aproximar cada vez mais da mesa onde ela regularmente se reunia
com seus colegas. Mas ele ainda não ousava a se aproximar diretamente.
Até que um
dia, passando por ela nos corredores, ele agarrou seu braço inesperadamente de
forma um pouco rude e disse um “olá”. Segundo depoimento da própria Amy Sanbo, uma
nipo-americana jovem e elegante, Bruce
talvez estivesse tentando impressioná-la diretamente com uma abordagem mais
forte e máscula. De qualquer forma, o jovem desajeitado teve que se dobrar para
apanhar os livros de Amy que caíram no chão durante sua desajeitada investida.
Como Amy não
levou em consideração o desastre da primeira abordagem, Bruce continuou
assediando-a desta vez de modo mais cortês.
Pouco depois
do primeiro encontro, Amy que tinha como uma de suas inúmeras atividades
estudar e praticar dança clássica, teve um acidente numa sessão de treinamento onde
lesionou o dedo do pé direito ao tentar executar um salto característico de
ballet ao tocar o solo de forma errada. Sua
recuperação durou semanas e ela não podia se ausentar da Universidade por muito
tempo. Quando ela resolveu enfrentar os corredores do campus nos quais se
exigia rapidez para o acesso das salas entre uma aula e outra, Bruce se
apresentou surpreendentemente para carregá-la pelas íngremes escadas com livros
e tudo. E assim foi, até que ela envergonhada, recusasse sua ajuda e resolvesse
usar as próprias muletas para se locomover.
Amy Sanbo sempre foi apaixonada pela dança clássica |
Mas Amy
declarou em entrevista recente que a disposição física de Bruce a teria
impressionado na época, ao ponto dela tentar calcular o seu próprio peso junto
com os livros e toda extensão daquela enorme escadaria que Bruce percorria com
ela nos braços durante aqueles penosos dias.
Eu me
pergunto, será que não foi por aí que se iniciou a “famosa” dor crônica nas
costas que Bruce sentiria pelo resto de sua vida? Foi só uma piada...
A partir
desse episódio, o namoro entre Bruce e Amy se desenvolveria de forma natural e
progressiva.
Amy Sanbo
declarou anos depois em entrevista que o tempo de namoro foi divertido enquanto
durou. O casal tinha por hábito se encontrar para dançar e degustar comida
chinesa em restaurantes típicos do bairro chinês de Seattle. Geralmente, saíam
no carro de um amigo de Amy chamado Lonny.
Amy observa
que durante aqueles anos em Seattle, ela percebeu que Bruce tinha praticamente
duas turmas distintas e que não se misturavam. A turma da universidade e a
turma das artes marciais.
A jovem nipo-americana, Amy Sanbo |
Mas ela
destacou a presença de um amigo de Bruce em especial, Taky Kimura, também de
origem japonesa. Ela considerava Taky um cavalheiro, de comportamento
diferenciado, e avaliou que essa maneira de ser do amigo, fazia com que Bruce
tivesse um tratamento diferenciado por ele. Bruce tinha um verdadeiro
sentimento de confiança por Kimura, ele não percebia tanta fidelidade em
qualquer outro que conhecesse. Amy ainda diria que Bruce era muito desconfiado
com as pessoas, sejam homens ou mulheres; e ele somente se abria, se realmente
confiasse nelas. Taky Kimura era uma dessas raras figurinhas.
Os jovens Taky Kimura e Bruce Lee |
Além de parceiro, Taky Kimura era um amigo fiel e grato à Bruce Lee |
Amy Sanbo
lembrou-se de um fato interessante durante o seu namoro com Bruce Lee em
relação à sua condição física e capacidade de assimilar novidades. Certa vez
ela tentou lhe ensinar um movimento de ballet. Seria o “pirouette”, ou pirueta,
para testar seu equilíbrio e habilidade. O movimento consiste em sustentar-se nas
pontas dos pés na posição vertical e fazer giro de 360 graus apoiado numa só
perna e aterrissar suavemente. O movimento não era bem visto ou “adequado” para
um artista marcial.
Na primeira
tentativa, Bruce fez de forma perfeita e surpreendente para Amy, que exclamou
admirada. Mas concluiu depois que Bruce já poderia estar observando-a
atentamente durante outras sessões de ballet que ele teria presenciado e
certamente já teria estudado alguns destes movimentos, para quem sabe,
aproveitar alguma coisa útil na sua prática de artes marciais.
Amy sabia
que Bruce foi campeão de cha-cha-cha de Hong Kong, mas lhe apresentou outros
ritmos como rhythm & blues (e certamente, twist e rock & roll) para que
ele obtivesse mais desenvoltura ou “molejo” nas pistas de dança. Ela descobriu
que Bruce absorvia o ritmo naturalmente e conseguia sentir a música como
ninguém ao dançar. Essa capacidade de adaptação a um novo ritmo teria impressionado
também a Amy Sanbo.
Bruce Lee e o encontro histórico com Theodore Roethke |
O Dragão encontra o Poeta – Samy lembra
ainda que Bruce Lee costumava escrever poesias. Ele costumava rabiscar pequenos
textos rimados, já que era muito reflexivo e poderia ter explorado mais esse outro
talento natural.
Em meados de
1960, ocorreu um encontro épico entre dois homens excepcionais na Universidade
de Washington, em Seattle. Tudo ocorreu casualmente, Bruce estava ensinando um
movimento de Kung Fu a Amy numa sala de aula, mas justamente na hora de entrada
do próximo professor, o poeta internacionalmente conhecido, Theodore Roethke.
Roethke
imediatamente perguntou o que se passava e o que ele estaria fazendo ali. De
forma surpreendente, mas espontânea, Bruce se virou para Roethke se
apresentando e passou a lhe ministrar alguns conceitos sobre a mecânica do
movimentos e poder do Kung Fu.
Uma versão
diz que Roethke teria adentrado na sala e dito: “Eu sou Roethke, o poeta! Você
está na minha sala de aula.” O que seria suficiente para qualquer aluno
iniciante se afastar curvado. Mas não no caso de Bruce Lee, que se dirigiu até
ele com a mão estendida dizendo: “Eu sou ‘sifu’ (mestre, em chinês) Bruce Lee.”
Amy recorda querer ter se desmaterializado daquela sala naquele exato e tenso
momento, mas quando se deu conta, Bruce estava de pé segurando um giz diante do
quadro negro enquanto traçava esquemas sobre a mecânica do Kung Fu para Roethke
que estava sentado na primeira fileira. Bruce também desenhou alguns personagens
históricos da história do Kung fu (outro talento de Lee, o desenho) no quadro
para ilustrar seus argumentos para um Roethke que parecia hipnotizado. Isso
aconteceu em 1961, Theodore Roethke morreria precocemente aos 55 anos, dois
anos depois. Não se sabe se os dois voltaram a se encontrar informalmente,
antes do falecimento do poeta.
Desenhos de autoria de Bruce Lee e possivelmente semelhantes aos que fez para Roethke no quadro negro |
Amy ficou
admirada ao presenciar o encontro entre o poeta consagrado e o jovem impetuoso professor
de Artes Marciais naquele momento histórico ainda hoje desconhecido por muitos.
Roethke foi surpreendido pelo carisma, domínio e segurança do jovem aluno que
explanava com muita convicção sobre as artes marciais chinesas. A palestra de
Lee teria durado pouco mais de meia hora e Amy lembra ter ouvido de vez em
quando um “eu entendo” de Roethke.
No dia
seguinte, durante uma aula do poeta, Lonny, amigo em comum de Amy e Bruce,
disse que Roethke lhe confidenciou que teria conhecido um jovem mestre de artes
marciais que lhe pareceu verdadeiramente letal.
Theodore Roethke declamando |
Quem foi Theodore Huebner Roethke – O
poeta, filho de um imigrante alemão, nasceu em 25 de maio de 1908, em Saginaw,
Michigan, EUA. É considerado como um dos mais bem sucedidos e influentes poetas
de sua geração. Sua poesia é caracterizada pela introspecção, ritmo e imagens
naturais.
Roethke foi
agraciado pelo prêmio Pulitzer de Poesia duas vezes, em 1959 por “”Words for
the Wind” e por “The Far Field”, em 1965, em prêmio póstumo.
Theodore
Roethke foi considerado como “o maior poeta produzido pelos Estados Unidos”
pelo também
poeta laureado e autor, James Dickey.
Roethke era
um também um professor de poesia altamente considerado, sendo que ensinou na
Universidade de Washington por quinze anos. Seus alunos chegaram a ganhar dois
prêmios Pulitzer e outros dois chegaram a ser nomeados para concorrer ao mesmo
prêmio.
Richard
Hugo, indicado duas vezes para o Pulitzer e um dos seus alunos que mais se
destacaram afirmou que ele “foi o melhor professor de poesia escrita de todos
os tempos.”
Em 1952,
Roethke recebeu uma concessão de Fundação Ford para “expandir seus
conhecimentos de filosofia e teologia”. Durante um ano Roethke leu e estudou
obras exsitenciais de filósofos e teólogos como Sören Kierkegaard, Evelyn
Underhill, Meister Eckhart, Paul Tillick, Jacob Boehme e Martin Buber.
Em 1953,
casou-se com uma ex-aluna, Beatrice O’Connell. Como muitos outros poetas
norte-americanos de sua geração, Roethke era um bebedor contumaz e era
suscetível a ataques mentais. Beatrice, inicialmente desconhecia seus problemas
depressivos e manias obsessivas, mas nunca o abandonou ou deixou de apoiá-lo na
organização e publicações de suas obras.
Em 1961, sua
poesia, “The Return”, foi apresentada no álbum (disco vinil) Anthology of
Contemporary American Poetry, de George Abbe pela fokways Records.
No ano
seguinte, Roethke lançou seu próprio álbum pelo selo Words for the Wind,
intitulado Poems of Thedore Roethke.
Lápide do poeta Theodre Roethke |
Infelizmente,
em 1º de agosto de 1963, aos 55 anos, Theodore Roethke sofre um ataque cardíaco
fulminante na piscina de seu amigo, S. Rasnic, em Baindbridge Island,
Washington.
Amy Sanbo quando da sua última e rara entrevista |
O momento decisivo para Bruce e Amy – Depois
de quase três anos de relacionamento, Bruce inesperadamente aborda Amy lhe
oferecendo um grande e belo anel com pedra safira na forma de uma cruz branca. Simplesmente ele disse:
“Experimente”. Ela tomou o anel em suas mãos por um instante e ponderou sobre o
significado de tudo aquilo. Mas Amy Sanbo decidiu naqueles longos segundos que ainda não estava
preparada para um compromisso tão sério
e devolveu à Bruce, que certamente não contava com aquela recusa. Durante o namoro era Bruce que falava
mais em casamento, segundo Amy, e ela
logo percebeu que ele a queria o tempo todo ao seu lado e que
temia que ele pudesse tentar um certo tipo de controle sobre ela com perguntas
do tipo: “onde você está”, “onde você
esta indo” ou “com quem você está”, etc. Amy prezava sua liberdade e tinha seus
projetos pessoais e não estava pronta para sacrificá-los por ninguém, mesmo por
alguém tão especial quanto Bruce Lee.
Amy Sanbo
vivia na ilha de Vashon, e não pensou em sair de lá naquela época, a ilha fez
parte de sua infância e foi lá que foi criada após ela e sua família serem
libertados do Campo de Internamento Forçado de Tule Lake, no norte da Califórnia, que era destinado aos japoneses
que viviam nos Estados Unidos. Foi um dura e preventiva medida, baseada na
segurança nacional, tomada pelo governo norte-americano após o ataque à base de
Pearl Harbor pelos japoneses durante a Segunda Grande Guerra Mundial.
Aliás, o campo de Tule Lake foi um fator que fez com
que Amy sentisse um carinho especial pelo fiel amigo de Bruce Lee, hoje um
senhor idoso e doente, Taky Kimura. Ele também tinha passado pelo campo de
concentração de Tule Lake (Confira na postagem sobre Taky Kimura, neste blog).
Vista panorâmica da ilha de Vashon tão adorada por Amy Sanbo |
Campo de concentração destinada aos imigrantes japoneses de Tule Lake, na Califórnia |
Vista aérea do campo de Tule Lake |
Amy lembrava
na sua última entrevista de como era bonito o sol refletindo na água em Vashon
e chegou a imaginar como Bruce Lee poderia reagir a tanta beleza natural ao seu
lado, mas não foi o que aconteceu.
Amy durante
e após o término do namoro com Bruce Lee continuou concentrada em seus estudos
se dedicando ao ballet e trabalhando como cantora profissional. Passou um grupo
chamado International Trio onde cantava jazz e canções pop; depois foi
vocalista do George Havilant Quintet; e do Bert Garrett Quartet, que se
apresentava em clubes na área de Seattle.
Em suma, Amy
Sanbo era uma garota de origem asiática bastante independente nos anos de 1960,
mas enfatizou: “eu gostava muito dele, muito.”
O que seria do relacionamento de Bruce e Amy se ela aceitasse o anel de compromisso? |
Ao se formar
na universidade de Washington, Amy se mudaria para New York onde esperava se
desenvolver profissionalmente com o ballet. Bruce Lee permaneceu em Seattle
para terminar seus estudos e se formou em 1964.
Quando em julho
de 1973, soube da trágica e inesperada morte de Bruce Lee, Amy ficou chocada e
deprimida por vários dias. Bruce Lee ocupou e certamente ainda ocupa boa parte
de suas memórias, ela sabe que ambos tinham muitas coisas em comum e seus momentos juntos foram muito prazerosos.
Suspirando, ela teria dito em entrevista: “Às vezes, eu senti que eu poderia
ter estado com ele para sempre. Ele tinha um monte de qualidades que eu admirava,
mas quem sabe que seria mais provável que destruíssemos um ao outro?” Ao dizer
isso, Amy teria exibido um belo sorriso...
Amy Sanbo, ontem e hoje |
Pouco depois
do fim do namoro com Amy, Bruce conhece Linda Emery em setembro de 1963. A
aluna loira e apaixonada pelo professor de Kung Fu, iria se tornar a futura senhora
Lee e mãe de seus filhos Brandon e Shannon. Mas isso já é outra história...
Quase dez
anos depois de conhecer Amy Sanbo, Bruce, casado com Linda Lee, teria se
relacionado com uma atriz em Hong Kong, chamada Betty Ting-Pei, que segundo as
más línguas, fazia Bruce relembrar seu primeiro amor nos EUA, Amy.
Betty não
era tão atraente, mas era considerada por Bruce Lee uma moça muito inteligente
e com um afinado senso de humor. Entretanto, a mesma ainda hoje é suspeita de
ter um envolvimento direto na misteriosa morte do Pequeno Dragão.
Bruce, Linda e Brandon |
Bruce Lee e a eterna suspeita, Betty Ting-Pei |
Por Eumário
J. Teixeira.