Enter the Dragon

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

BRUCE LEE, A MORTE REPENTINA E OS PROJETOS NÃO REALIZADOS


Após a misteriosa e suspeita morte de Bruce Lee em 20 de julho de 1973, muitos boatos sobre suas verdadeiras condições físicas e mentais ecoavam por Hong Kong: “ele estava doente”; “mentalmente abalado”; “depressivo e ou agressivo”; “abusava das amantes, das drogas e do álcool”; etc. Os jornais sensacionalistas publicavam teses variadas para justificar o inesperado, ou seja, a morte prematura de um jovem atleta de 32 anos, que segundo o laudo de médicos especialistas norte-americanos que o examinaram semanas antes de sua morte, comprovava que Bruce Lee tinha uma saúde física comparável a um jovem atleta de 18 anos de idade. 

Bruce Lee, em plena forma, de frente a sua casa em Kowloon , Hong Kong, em 1973
Ora, apesar de muitas negativas por parte dos familiares e amigos mais próximos, boatos sobre a causa de sua morte proliferaram: “Lee teria sido assassinado na rua a pancadas por uma gang”; "foi morto por mestres chineses que não aceitavam suas idéias liberais sobre artes marciais e sua cruzada para desmistificar o Kung Fu chinês”; “foi assassinado por se recusar a negociar com a máfia Triad”; “morreu devido ao abuso de esteroides anabolizantes”; e ainda foi cogitado como possíveis causas, "uma overdose de haxixe ou maconha", ou "uma alergia aos componentes existentes dessas plantas”. Mas, se Lee já consumia tais ervas regularmente desde 1969, nos EUA, segundo alguns “amigos” (como James Coburn e Bob Wall) denunciaram ou insinuaram, podemos de imediato descartar uma possível reação alérgica como causa de sua morte, já que nunca houve registro de alguma reação como essa anteriormente; e, pelo que se sabe, jamais na história, foi registrado algum caso de overdose de haxixe ou maconha. O que alguns mais íntimos de Bruce lee admitiram (como sua ex-esposa, Linda Lee), é que ele não fumava as ervas, mas as mastigava em forma de pequenos bolos, o efeito seria como de um remédio natural para suas dores crônicas nas costas e agiria também como um calmante ou relaxante, pois nos últimos meses da conclusão de Operação Dragão (Enter the Dragon), sua agenda estava lotada (compromissos sociais, profissionais, etc.) e ele mal dormia, pois ansiava pelo lançamento e repercussão internacional do filme, além de ter ainda na gaveta outros projetos para finalizar e em fase de criação. 

Bruce Lee convidou o mestre de hapkido coreano, Ji Han Jae, para participar do projeto "O Jogo da Morte"


Esboço feito pelo próprio Bruce Lee que revela parte do roteiro de "O Jogo da Morte". O pagode a ser invadido teria um subnível ou andar térreo, e mais cinco a ser conquistados: o andar térreo  seria defendido por Bolo Yeung (ou Yang Sze), como um mestre de Karate Shotokan e alguns discípulos; o primeiro andar por Hwang In-Shik (na verdade mestre de Hapkido), como expert de um estilo caracterizado pelos chutes; o segundo andar por Taky Kimura (um dos primeiros alunos de Bruce Lee), como mestre do estilo Louva-a-Deus (Praying Mantis) de Kung Fu; o  terceiro andar por Dan Inosanto, como mestre de nunchaku e bastões; o quarto andar por Ji Han Jae, como (ele é mesmo) mestre de Hapkido; e finalmente o quinto e último andar por Kareen Abdul Jabbar, como mestre do "estilo desconhecido" ou do "estilo sem estilo" (uma referência ao Jeet Kune Do).
Um projeto inacabado foi “O Jogo da Morte” (The Game of Death), que seria realizado pela companhia que Lee criou em parceria com Raymond Chow, a Concord Productions Company, a mesma pela qual teriam finalizado "O Vôo do Dragão" (The Way of the Dragon, de 1972).  O script original de "O Jogo da Morte" pouco tem a ver com a famigerada montagem lançada como filme em 1978, mas podemos ter uma ideia do que seria na sua essência assistindo o documentário, “A Jornada de um Guerreiro” (A Warrior’s Journey) de 2000, que foi dirigido e co-produzido por John Little. Na minha opinião, "O Jogo da Morte" iria superar Operação Dragão (Enter the Dragon), em todos os sentidos, sejam nos aspectos filosóficos ou nas lutas demonstradas, porque Lee iria se expressar livremente nesse seu novo projeto, demonstrando suas reais capacidades físicas e técnicas como também a sua concepção pessoal do principal objetivo a ser conquistado por um verdadeiro artista marcial: "A capacidade de se adaptar às circunstâncias."

Bruce Lee em ensaios para o projeto de um filme sobre o herói chinês Nien Kan Yao
Outro projeto que ainda estava em fase embrionária, era sua versão para o cinema dos feitos de um lendário herói chinês chamado Nin Gung-Yao (ou Nien Kan Yao), que segundo consta, era um líder militar e talentoso artista marcial responsável por grandes atos de bravura e justiça no passado. 


Bruce Lee e o diretor Chu Yuan na Shaw Brothers, amigos de muito tempo


Na visita à Shaw Brothers, Bruce Lee posa ao lado do diretor Chang Cheh e dos atores Chen Kuan-Tai e David Chiang
Bruce Queria que Chu Yuan, seu amigo de infância, que na época era diretor da Shaw Brothers (empresa cinematográfica concorrente da Golden Harvest de Raymond Chow), dirigisse esse filme (que ainda não tinha um título definido). Run Run Shaw, o chefão da Shaw Bros, teria feito opção pelo experiente Chang Cheh para a direção, a quem Bruce Lee inicialmente teria vetado. Mas as coisas ainda estavam em início de negociação. Os roteiristas Ni Kuang e Chang Chieh também fariam parte do projeto. De qualquer forma, o poderoso Run Run Shaw, que havia desprezado Lee em 1971, já estava se dobrando às exigências do maior astro do cinema de Hong Kong, pois percebeu que tudo agora girava em torno do "Pequeno Dragão".  

Bruce Lee à vontade, durante os ensaios, com uma espada e um leque
Bruce Lee, já famoso em toda a Ásia, teria feito alguns testes fotográficos com alguns trajes de época (para o personagem Nien Kan Yao) por volta de 1972. Meses depois, já em 1973, após as filmagens de Operação Dragão (Enter the Dragon), Bruce Lee escreve uma carta breve a Run  Run Shaw, onde dizia:

“Caro Run Run,"

"A partir de agora, considere setembro, outubro e novembro (de 1973), um período de três meses, reservado para a Shaw Bros. Os termos específicos iremos discutir na minha chegada."

"Bruce Lee”

Bruce Lee com Run Run Shaw (de óculos) e o ator Lo Lieh, ambos à sua esquerda

Bruce Lee e mais ensaios para um possível projeto pela Shaw Bros.
Lee estava demonstrando a todos que era independente e poderia negociar com quem bem entendesse. No ano de sua morte, em 1973, visitou os estúdios da Shaw Brothers regularmente, inclusive foi registrado sua presença quando da produção do filme The Blood Brothers (Irmãos de Sangue) estrelados pelos astros de “filmes de Shaolin”, Chen Kuan-Tai, David Chiang e Ti Lung. Noutra oportunidade Bruce deixou-se fotografar ao lado de Run Run Shaw e o ator Lo Lieh. Dias após a trágica morte de Lee em Julho de 1973, o próprio Raymond Chow, produtor dos seus três primeiros filmes, que não estava nada satisfeito com a aproximação de Lee e Shaw, surpreendentemente chega a declarar para a imprensa que “Bruce Lee era um homem doente”. 

Bruce Lee nas filmagens do filme "The Blood Brothers", lançado em 1973, ao lado do amigo Little Unicorn e com as estrelas do filme, Chen Kuan-Tai e David Chiang, da esquerda para a direita

Bruce Lee e Little Unicorn em frente à sede da Shaw Brothers
Como um "homem doente", poucos dias antes de sua morte, poderia demonstrar tanto vigor e energia (mesmo considerando os dois colapsos - de causa indefinida - que sofreu em julho) e ainda estar tão ansioso para cumprir tais projetos pendentes? É certo que um "homem doente" não faria nenhum plano para o futuro ou teria qualquer nível de ambição e, sobretudo, não esbanjaria a energia e carisma tão inerentes ao “Pequeno Dragão”. Bruce Lee, sendo tão famoso e valioso para os chefões gananciosos da indústria do cinema de Hong Kong, certamente não escaparia ileso das armadilhas atreladas aos interesses escusos do showbusiness, entretanto, ele procurou se impor e administrar a situação da melhor forma possível. Lee se sentia pressionado, mas estava consciente de seu valor e capacidade de realização e, ainda creio, que sob nenhuma circunstância ele se entregaria ao vício, à depressão ou à indolência, pelo contrário, pois era extremamente espirituoso, dinâmico e criativo; convenhamos, um perfil nada comum para um “homem doente”.

Raymond Chow (o 'muy amigo' de Lee em foto das mais recentes), chefão da Golden Harvest, apostou inicialmente no talento do "Pequeno Dragão", mas não gostou da aproximação de Bruce Lee e Run Run Shaw
Ele  poderia estressar-se, esgotar-se momentaneamente, mas render-se às pressões com aquele seu “espírito de guerreiro”?...Jamais!!! Por isso, posso até considerar a versão oficial de “morte por infortúnio” ou “mal congênito” e, quem sabe, até a fantasiosa teoria da “reação alérgica aos componentes do comprimido Equagesic", que ingeriu para aliviar a sua dor de cabeça; mas, à medida que o assunto é revisto, debatido e explorado, a tese de assassinato por envenenamento lento e gradual, com a devida cumplicidade de algumas pessoas próximas a ele, sempre me vem à cabeça, pois Bruce Lee estava amadurecendo como pessoa, como artista marcial e também como cineasta, ou seja, como ator, diretor e produtor (tinha apenas 32 anos); e sua capacidade de criação parecia inesgotável. Ele, sem dúvidas, foi o principal responsável pela renovação e abertura dos horizontes para os filmes de artes marciais em todo o mundo e, é claro, os chefões manipuladores da indústria do cinema de Hong Kong e mesmo a máfia chinesa, que exigia sua parte nos lucros, sabiam que ele não se deixaria controlar, pois Lee era auto-suficiente, prezava muito sua liberdade para criar, atuar, dirigir e produzir e, naquele momento, não dependia de ninguém, a não ser de si mesmo e de seu talento natural. E isso, “eles” não poderiam aceitar. Após a misteriosa morte de Bruce Lee, tudo voltou a ser como antes, estagnação total e a reutilização das velhas fórmulas que uma vez deram certo no passado.

Por Eumário J. Teixeira.