A partir
desta postagem vou procurar detalhar de uma forma simples e objetiva a rotina
de treinamento de Bruce Lee, um programa que ele seguia ainda quando morava nos
EUA e não era tão famoso e reconhecido pelo público e mídia, desfrutando ainda
de certa liberdade e privacidade; o que viria ser impossível após seu sucesso
estrondoso com o primeiro filme, O Dragão Chinês (The Big Boss) lançado em Hong
Kong, em 1971. Apesar da pouca popularidade na época, Bruce Lee já era
respeitado nos EUA por muitos artistas marciais de diversos estilos ou escolas,
como Jhoon Rhee do Taekwondo, Ed Parker do Kempo Japonês, Mike Stone e Chuck
Norris do Tang Soo Do coreano e Gene LeBell do Judô. Bruce era também admirado
por vários artistas ou estrelas de filmes de ação como James Coburn, James
Franciscus (Longstreet), Van Williams (Green Hornet) e o inesquecível Steve McQueen;
sem esquecer de esportistas famosos como Kareen Abdul Jabbar, do basquete norte-americano (NBA).
Bruce Lee
sempre observou que a maioria dos artistas marciais da época se descuidavam do
condicionamento físico e só aprimoravam a parte técnica para um possível
combate com regras e limitações. Ele pensava diferente da maioria defendendo o
bom condicionamento físico para um lutador marcial se sair bem num treinamento
puxado e numa competição de luta com regras ou mesmo num vale-tudo ou situação
real de auto-defesa que lhe poderia custar sérias lesões e até a própria vida.
Bruce Lee enxergava as coisas de forma realista e prática, o que não fosse útil
para o seu desenvolvimento físico ou progresso como artista marcial ele simplesmente descartava. Em
contrapartida, ele pesquisava e procurava aproveitar tudo o que tinha de bom e
prático nas mais diversas atividades esportivas e marciais que ele pudesse
incorporar em sua rotina de treinamento.
A excelente forma física de Bruce lee |
Bruce já
estava desenvolvendo seu conceito sobre o Caminho do Punho Interceptador ou
Jeet Kune Do e afirmava que a boa forma física era um dos principais elementos
a ser considerado dentro de sua concepção sobre artes marciais até então
revolucionária. A verdade era que Bruce Lee não parava de se exercitar um
minuto sequer, seja comendo, lendo, vendo televisão, etc., o que deveria causar
muito incômodo para seus familiares ou amigos que estivessem por perto. Ele era
obcecado pela boa forma física e técnica e esperava estar pronto para alguma situação
inesperada que pudesse colocar à prova seu condicionamento físico ou técnico.
Para se
preparar de forma satisfatória ele desenvolveu e incorporou exercícios
específicos para o seu tipo físico, já que media por volta de 1,68 e 1,70 m e seu
peso variava entre 58 a 62 kg. Um dos fatores que mais contribuiu para seu
desenvolvimento físico e técnico foram os equipamentos projetados por ele mesmo
e confeccionados por seus amigos e alunos, George Lee (mecânico) e James Yimm
Lee (soldador e ex-fisiculturista).
Bruce Lee e John Saxon fazendo exercícios de alongamentos no intervalo das filmagens de Enter the Dragon |
Bruce Lee e Bob Wall alongando as pernas no intervalo das filmagens de The Way of the Dragon |
Bruce se aquecendo e demonstrando sua flexibilidade antes do combate |
A rotina diária
de treinamento de Bruce Lee começava bem cedo com uma série de exercícios de
aquecimento e flexibilidade. Os exercícios iniciais de aquecimento eram leves e
fáceis para “soltar” os músculos e prepará-los para uma carga mais pesada para
evitar lesões musculares. No inverno Bruce “esticava” mais o tempo para o aquecimento
muscular, por razões óbvias.
Os
exercícios de flexão, giro total da cintura, exercícios para o estômago e
abdômen, elevações e estiramentos de pernas, para ele eram importantes para
criar músculos elásticos e flexíveis, que no seu ponto de vista, são mais
importantes do que músculos volumosos que comprometem a rapidez dos movimentos
e reflexos. Para testar se sua musculatura é flexível, basta fazer o
“body-stretch” (estiramento de corpo), ou seja, estando em pé e com as pernas juntas,
dobre o corpo para trás o quanto puder, a seguir curve-se para a frente até que
a cabeça toque os joelhos. Para exercitar
a área da cintura, Bruce segurava um bastão sobre os ombros e por trás da
cabeça para alinhar os ombros e girava o corpo para os lados até 180 graus, sem
mover os pés do lugar. Esse exercício é excelente para manter a flexibilidade
da cintura.
A corrida para Bruce Lee seria indispensável para qualquer esportista ou artista marcial |
A corrida ao
ar livre de 3 a 5 km em média era indispensável para Bruce Lee. Ele afirmava
que a corrida era o meio ideal para manter um nível constante de excelência
física e uma garantia básica de aptidão para explorações progressivas em outras
atividades esportivas. Ele dizia: “Para mim, um dos melhores exercícios para se
desenvolver boa forma física é correr. Correr é tão importante que se deve
praticá-lo durante toda a vida. A que horas você corre não importa. No início,
você deve correr naturalmente, como num cômodo “trotar”. Depois, gradualmente
aumentar a distância e o ritmo e finalmente incluir arranques para desenvolver
seu fôlego.” Bruce Lee corria 6 dias por semana, sob sol ou chuva, verão ou
inverno, por seis a nove quilômetros fazendo um tempo que variava entre 20 a 30
minutos. Corria subindo ou descendo encostas íngremes, variando o ritmo,
passando de passos compassados a passos largos e a violentos piques,
retornando, a seguir, ao ritmo inicial. Corria em zigue-zague, saltava,
simulava esquivas, para desenvolver o “jogo de pernas” (foot-work), como
geralmente fazem os boxeadores ocidentais e thai-boxers.
Bruce praticando na bicicleta estacionária em sua casa |
De volta ao
ginásio montado em sua casa, ele praticava na bicicleta estacionária, por 45 a
60 minutos. A bicicleta é um bom exercício para dar potência nas pernas, para o
fortalecimento das coxas e a musculatura em volta do joelho, além de
desenvolver a resistência cárdio-vascular.
Pular corda é imprescindível para manter o "jogo de pernas" |
Após um
intervalo para relaxar e almoçar retornava para a segunda parte do treino.
De volta à
carga, costumava pular Corda. Um
excelente exercício para desenvolver o “jogo de pernas”, resistência e
agilidade nos deslocamentos, sempre nas pontas dos pés. Como usualmente fazia
Muhammad Ali, em seus treinos.
Bruce Lee praticando estiramento, alongamento e elevação de pernas |
Exercícios de torção de cintura para manter a flexibilidade e a elasticidade dos músculos |
A seguir
Praticava exercícios de flexão, torção total da cintura, exercícios para o
abdômen e elevações de pernas para deixar os músculos elásticos. Apesar de
Bruce Lee dizer que não acreditava em chutes altos e plásticos numa luta real,
ele tinha capacidade para executá-los, se precisasse, com eficiência e
velocidade quase imperceptível. A elasticidade é outro atributo que tem ser
desenvolvido dentro da capacidade e conveniência de cada artista marcial.
Bruce recebendo o impacto da medicine-ball no abdômen lançada por Ted Wong |
Exercícios com a medicine-ball são habitualmente praticados pelos boxeadores profissionais |
Outros tipos
de exercícios abdominais praticados por Bruce Lee, eram os “sit-ups”; abdominais
usando a barra; o “leg raises”; o famoso “weight lifting bench”; usando o
impacto do saco pesado; e as flexões de corpo para frente e para trás, dentre
outros.
Variação pra o sit-up |
Sit-ups –
Numa prancha inclinada, seguros os pés, curva-se os joelhos e depois coloca-se
as mãos atrás da cabeça, levantando o corpo em direção aos pés. Bruce Lee fazia
no mínimo 100 repetições. Em seguida coloca-se um haltere ou outro tipo de peso
atrás do pescoço e faz-se mais 100 repetições. Outra variação seria o “sit-up
with twist”, onde se levanta o corpo com as mãos atrás da cabeça em direção aos
pés e gira-se para esquerda e para a direita antes de reclinar-se.
Abdominal
com barra – Pendurado na Barra com ambas as mãos, Bruce Lee levantava
lentamente as pernas até que ficavam horizontalmente estendidas e as mantinham nessa posição o maior tempo possível, sempre tentando bater o tempo de
permanência anterior.
Hanging leg raises no intervalo das filmagens de The Game of Death |
Hanging leg raises – Bruce deitava-se ao nível do chão
ou numa prancha e puxava lentamente pela
região abdominal levantando a cabeça levemente até poder ver os pés. Com as
pernas retas e unidas, levantava-as lentamente o mais alto possível e
abaixava-as lentamente a uma polegada do chão ou da prancha, repetindo o
processo até atingir o seu limite de resistência.
Bruce praticando dragon flag em sua casa |
Weight lifting
bench ou Dragon flag – Num banco longo com dois suportes ou empunhaduras que
ficam logo atrás da cabeça, Bruce dobrava os braços para trás, erguia todo o
corpo em ponte elevadiça (pés, pernas, quadris, cintura, costas e cabeça
ficavam no ar). A única parte do seu corpo que se apoiava no banco eram as
pontas dos omoplatas. Esse exercício é ótimo para a parte inferior das costas.
O saco de pancadas pode auxiliar no condicionamento do abdômen |
Impacto do
saco pesado – Ao golpear o saco com força, deixe que ele volte e atinja seu
abdômen que deve estar enrijecido. Pode-se simplesmente empurrar o saco com as
mãos e esperar sua volta numa postura equilibrada para absorver todo o impacto
sem desequilibrar-se. Simultaneamente ao receber o golpe, enrijeça o abdômen e
solte bruscamente o ar, como fazem os boxeadores quando atingidos no tronco.
Flexões de corpo no banco |
Flexões do
Corpo para frente e para trás – Sentado numa barra ou num banco, tendo os
tornozelos presos ou seguros por alguém, Bruce dobrava seu corpo para trás em
direção ao chão, esticando a região abdominal o mais possível, depois voltava
para a posição inicial e repetia o movimento.
Elevação de pernas em V no intervalo das filmagens de The Game of Death |
Elevando as
pernas em V – Bruce foi flagrado diversas vezes demonstrando esse exercício nos
intervalos de suas filmagens. Sentado no chão com as pernas juntas e esticadas e
com os braços e mãos paralelos ao corpo, ele suspendia levemente seu corpo com
as duas mãos apoiadas ao chão elevando simultaneamente e lentamente as suas
pernas (ainda juntas e esticadas) quase paralelamente ao seu tronco, formando
um “V”. Ele podia permanecer na posição suspensa por até 30 minutos (segundo testemunhas).
Os exercícios isométricos eram essenciais na rotina de treino de Bruce Lee |
Os
exercícios isométricos eram também apreciados por Bruce Lee, pois poderiam ser
praticados em qualquer lugar e a a qualquer hora, já que não requerem
equipamento ou técnica especial. A prática consiste em fazer oposição muscular
contra um objeto imóvel, como uma parede ou uma grade. Bruce Lee podia ficar
empurrando um quadril de ferro em sua casa, com o máximo de sua força, por até
uma hora. Ao tentar empurrar uma parede, por exemplo, você poderá sentir a
pressão muscular gerada por todo o corpo em apenas alguns minutos. Bruce teve a
ideia de desenvolver uma “barra isométrica” para treinar em casa.
Bruce Lee na barra isométrica que ele mesmo projetou |
Era uma barra
de metal acolchoada no meio que podia ser adaptada a qualquer altura que
quisesse entre duas peças verticais de sua armação. Ele ajustava a barra na
altura dos seus ombros e a travava, assim ele ficava sob ela, tendo os ombros e
o dorso do pescoço contra a para acolchoada e a empurrava para cima, elevando
os calcanhares. Só nesse processo ele trabalhava os músculos dos ombros, das
panturrilhas, das coxas e do estômago. E ainda segurando nas partes
laterais não acolchoadas da barra, Bruce
pressionava os músculos dos braços para forçá-la para cima.
Bruce lutando contra a resistência da barra presa a uma corrente |
Outro
exercício isométrico feito por Bruce Lee, consistia em puxar para cima uma
barra presa ao chão por uma corrente. Desta forma, com todas essas variações de
exercícios isométricos, ele mantinha os chamados “instrumentos de ofício” (mãos,
braços, pés e pernas) dentro do melhor condicionamento possível. Para ele não
havia desculpas para não se exercitar, independentemente do lugar em que
estivesse.
Bruce não praticava levantamento de pesos, mas trabalhava com pesos |
Quanto aos
pesos, Bruce Lee não acreditava na utilidade do levantamento de pesos, mas no
“trabalho com pesos”. Ele, como muitos artistas marciais, acreditava que o
excesso de trabalho com pesos poderia prejudicar a velocidade ao desferir ou
reagir a golpes. Bruce Lee teria
desenvolvido assim um programa pessoal para trabalhar diferentes grupos de
músculos. Nada de trabalhar peitorais, por exemplo, pois considerava
anti-estéticos e não necessários para um bom soco. Preferia trabalhar com os
ante-braços, músculos dos ombros, tríceps, abdômen, os músculos da “asa” e das
coxas, que eram músculos necessários para um soco potente. O trabalho com pesos para Bruce Lee deveria
incluir exercícios de velocidade e flexibilidade, como correr e chutar com
pesos nos tornozelos, desferir socos com pesos nos pulsos, saltar com halteres
de 5 a 15 kg nas mãos.
Salto no trampolim para desenvolver a agilidade e flexibilidade das pernas |
Ao saltar
com o uso de trampolim e utilizando os pesos nas mãos, ele ainda desenvolvia a
elasticidade, flexibilidade, equilíbrio, molejo nas pernas e controle corporal.
Ele saltava praticando separação de pernas, como num chute duplo com as pontas
dos pés, que o capacitava ainda mais para desferir os seus famosos chutes
voadores (frontal ou lateral).
Para
trabalhar os ombros e parte superior das costas, Bruce não utilizava cargas
máximas, apesar de usar cargas consideráveis em séries com velocidade e praticamente
sem pausa.
O exercício com pesos para os ombros |
Para os músculos dos ombros, ele usualmente levantava um haltere
longo (de 42 kg) com um braço de cada vez. Uma prática difícil para se efetuar,
pois requer equilíbrio, precisando distribuir corretamente o peso do haltere.
Bruce praticando exercício para os pulsos |
Para os pulsos,
ele utilizava um haltere curto sem o peso numa extremidade que servia de cabo e
no outro era mantido, então girava o haltere para frente e para trás e de um
lado para o outro sem mover o braço, torcendo apenas os pulsos.
No exercício para o fortalecimento do antebraço (estendido) o haltere de 20 kg rolava para cima e para baixo. Na foto uma variação de exercício isométrico |
Para
condicionar os braços e obter o enrijecimento ideal, Bruce fazia rolar um
haltere de 20 kg para cima e para baixo em seus ante-braços estendidos,
enquanto “fechava” os omoplatas. Bruce entendia que os músculos dos antebraços
eram essenciais para o soco, além dos próprios abdominais. Outro exercício para
o antebraço era o “reverse curl”, que consistia em segurar a barra com pesos nas
pontas (haltere médio) com ambas as mãos e palmas voltadas para cima na altura
da cintura. Em seguida ele levava a barra até o peito e voltava à posição
original. Para dificultar a pegada e forçar os músculos dos ante-braços,
ele envolvia a barra com uma espécie de esponja, que o
fazia perder o poder de agarre conforme prosseguia no exercício, que o fazia
depender cada vez mais da musculatura dos ante-braços. Uma alternativa desse
exercício é manter os braços estendidos
e retos em frente ao corpo na altura do peito, suportando os pesos por maior
tempo possível.
Flexões de um só braço com dois dedos |
Flexões com os dois braços com um só dedo |
As flexões
de braço também eram o forte de Bruce Lee. Foi no Torneio de Long Beach, em
1964, que além da demonstração de sparring e do “soco de uma polegada”, que ele
demonstrou a flexão com um só braço apoiado apenas em 2 dedos. Ele costumava
praticar as flexões de dois braços com os punhos fechados (na posição de punho
vertical de Wing Chun) apoiados nos “calos” dos dedos médio, anelar e mínimo.
Ele também fazia flexões com os dois braços apoiados apenas nos polegares. Tais
exercícios fortaleciam os ombros, braços, ante-braços, pulsos e dedos.
Numa próxima postagem (a Parte II) falarei um pouco sobre equipamentos específicos para o condicionamento das "armas" (mãos e pés) de Bruce
Lee.