Enter the Dragon

domingo, 1 de fevereiro de 2015

BRUCE LEE E SUA ROTINA DIÁRIA DE TREINAMENTO – Parte I


A partir desta postagem vou procurar detalhar de uma forma simples e objetiva a rotina de treinamento de Bruce Lee, um programa que ele seguia ainda quando morava nos EUA e não era tão famoso e reconhecido pelo público e mídia, desfrutando ainda de certa liberdade e privacidade; o que viria ser impossível após seu sucesso estrondoso com o primeiro filme, O Dragão Chinês (The Big Boss) lançado em Hong Kong, em 1971. Apesar da pouca popularidade na época, Bruce Lee já era respeitado nos EUA por muitos artistas marciais de diversos estilos ou escolas, como Jhoon Rhee do Taekwondo, Ed Parker do Kempo Japonês, Mike Stone e Chuck Norris do Tang Soo Do coreano e Gene LeBell do Judô. Bruce era também admirado por vários artistas ou estrelas de filmes de ação como James Coburn, James Franciscus (Longstreet), Van Williams (Green Hornet) e o inesquecível Steve McQueen; sem esquecer de esportistas famosos como Kareen Abdul Jabbar, do basquete  norte-americano (NBA).
Bruce Lee sempre observou que a maioria dos artistas marciais da época se descuidavam do condicionamento físico e só aprimoravam a parte técnica para um possível combate com regras e limitações. Ele pensava diferente da maioria defendendo o bom condicionamento físico para um lutador marcial se sair bem num treinamento puxado e numa competição de luta com regras ou mesmo num vale-tudo ou situação real de auto-defesa que lhe poderia custar sérias lesões e até a própria vida. Bruce Lee enxergava as coisas de forma realista e prática, o que não fosse útil para o seu desenvolvimento físico ou progresso como artista marcial  ele simplesmente descartava. Em contrapartida, ele pesquisava e procurava aproveitar tudo o que tinha de bom e prático nas mais diversas atividades esportivas e marciais que ele pudesse incorporar em sua rotina de treinamento.

A excelente forma física de Bruce lee
Bruce já estava desenvolvendo seu conceito sobre o Caminho do Punho Interceptador ou Jeet Kune Do e afirmava que a boa forma física era um dos principais elementos a ser considerado dentro de sua concepção sobre artes marciais até então revolucionária. A verdade era que Bruce Lee não parava de se exercitar um minuto sequer, seja comendo, lendo, vendo televisão, etc., o que deveria causar muito incômodo para seus familiares ou amigos que estivessem por perto. Ele era obcecado pela boa forma física e técnica e esperava estar pronto para alguma situação inesperada que pudesse colocar à prova seu condicionamento físico ou técnico.
Para se preparar de forma satisfatória ele desenvolveu e incorporou exercícios específicos para o seu tipo físico, já que media por volta de 1,68 e 1,70 m e seu peso variava entre 58 a 62 kg. Um dos fatores que mais contribuiu para seu desenvolvimento físico e técnico foram os equipamentos projetados por ele mesmo e confeccionados por seus amigos e alunos, George Lee (mecânico) e James Yimm Lee (soldador e ex-fisiculturista).

Bruce Lee e John Saxon fazendo exercícios de alongamentos no intervalo das filmagens de Enter the Dragon
Bruce Lee e Bob Wall alongando as pernas no intervalo das filmagens de The Way of  the Dragon



Bruce se aquecendo e demonstrando sua flexibilidade antes do combate 
A rotina diária de treinamento de Bruce Lee começava bem cedo com uma série de exercícios de aquecimento e flexibilidade. Os exercícios iniciais de aquecimento eram leves e fáceis para “soltar” os músculos e prepará-los para uma carga mais pesada para evitar lesões musculares. No inverno Bruce “esticava” mais o tempo para o aquecimento muscular, por razões óbvias.
Os exercícios de flexão, giro total da cintura, exercícios para o estômago e abdômen, elevações e estiramentos de pernas, para ele eram importantes para criar músculos elásticos e flexíveis, que no seu ponto de vista, são mais importantes do que músculos volumosos que comprometem a rapidez dos movimentos e reflexos. Para testar se sua musculatura é flexível, basta fazer o “body-stretch” (estiramento de corpo), ou seja, estando em pé e com as pernas juntas, dobre o corpo para trás o quanto puder, a seguir curve-se para a frente até que a cabeça   toque os joelhos. Para exercitar a área da cintura, Bruce segurava um bastão sobre os ombros e por trás da cabeça para alinhar os ombros e girava o corpo para os lados até 180 graus, sem mover os pés do lugar. Esse exercício é excelente para manter a flexibilidade da cintura.

A corrida para Bruce Lee seria indispensável para qualquer esportista ou artista marcial
A corrida ao ar livre de 3 a 5 km em média era indispensável para Bruce Lee. Ele afirmava que a corrida era o meio ideal para manter um nível constante de excelência física e uma garantia básica de aptidão para explorações progressivas em outras atividades esportivas. Ele dizia: “Para mim, um dos melhores exercícios para se desenvolver boa forma física é correr. Correr é tão importante que se deve praticá-lo durante toda a vida. A que horas você corre não importa. No início, você deve correr naturalmente, como num cômodo “trotar”. Depois, gradualmente aumentar a distância e o ritmo e finalmente incluir arranques para desenvolver seu fôlego.” Bruce Lee corria 6 dias por semana, sob sol ou chuva, verão ou inverno, por seis a nove quilômetros fazendo um tempo que variava entre 20 a 30 minutos. Corria subindo ou descendo encostas íngremes, variando o ritmo, passando de passos compassados a passos largos e a violentos piques, retornando, a seguir, ao ritmo inicial. Corria em zigue-zague, saltava, simulava esquivas, para desenvolver o “jogo de pernas” (foot-work), como geralmente fazem os boxeadores ocidentais e thai-boxers.

Bruce praticando na bicicleta estacionária em sua casa
De volta ao ginásio montado em sua casa, ele praticava na bicicleta estacionária, por 45 a 60 minutos. A bicicleta é um bom exercício para dar potência nas pernas, para o fortalecimento das coxas e a musculatura em volta do joelho, além de desenvolver a resistência cárdio-vascular.

Pular corda é imprescindível para manter o "jogo de pernas"
Após um intervalo para relaxar e almoçar retornava para a segunda parte do treino.
De volta à carga, costumava  pular Corda. Um excelente exercício para desenvolver o “jogo de pernas”, resistência e agilidade nos deslocamentos, sempre nas pontas dos pés. Como usualmente fazia Muhammad Ali, em seus treinos.

Bruce Lee praticando estiramento, alongamento e elevação de pernas

Exercícios de torção de cintura para manter a flexibilidade e a elasticidade dos músculos
A seguir Praticava exercícios de flexão, torção total da cintura, exercícios para o abdômen e elevações de pernas para deixar os músculos elásticos. Apesar de Bruce Lee dizer que não acreditava em chutes altos e plásticos numa luta real, ele tinha capacidade para executá-los, se precisasse, com eficiência e velocidade quase imperceptível. A elasticidade é outro atributo que tem ser desenvolvido dentro da capacidade e conveniência de cada artista marcial.

Bruce recebendo o impacto da medicine-ball no abdômen lançada por Ted Wong
Exercícios com a medicine-ball são habitualmente praticados pelos boxeadores profissionais
Passava então para os abdominais. Um dos exercícios preferidos de Bruce para desenvolver seu famoso abdômen, era a prática de impacto com a “medicine-ball”. Um companheiro de treino lançava uma bola de couro e com certo peso contra seu abdômen estando ele deitado ou em pé. A bola era agarrada somente após o impacto, que era considerável. Geralmente praticava 20 minutos com a medicine-ball. O condicionamento do abdômen não pode ser desprezado, suas paredes devem estar ao mesmo tempo fortes e flexíveis, pois são a ponte de conexão entre os membros superiores e inferiores que devem trabalhar em uníssono, seja para desferir socos e chutes potentes como também para absorver os golpes desferidos pelo adversário. Bruce Lee costumava dizer: “Uma das fases mais importantes do combate é a prática de sparring (treino livre de combate) e para praticar sparring, você tem que ser capaz de suportar socos na sua parede abdominal. Os músculos da cintura, estômago e  abdômen são um ponto chave para a execução de outras atividades.”
Outros tipos de exercícios abdominais praticados por Bruce Lee, eram os “sit-ups”; abdominais usando a barra;  o “leg raises”;  o famoso “weight lifting bench”; usando o impacto do saco pesado; e as flexões de corpo para frente e para trás, dentre outros.

Variação pra o sit-up
Sit-ups Numa prancha inclinada, seguros os pés, curva-se os joelhos e depois coloca-se as mãos atrás da cabeça, levantando o corpo em direção aos pés. Bruce Lee fazia no mínimo 100 repetições. Em seguida coloca-se um haltere ou outro tipo de peso atrás do pescoço e faz-se mais 100 repetições. Outra variação seria o “sit-up with twist”, onde se levanta o corpo com as mãos atrás da cabeça em direção aos pés e gira-se para esquerda e para a direita antes de reclinar-se.
Abdominal com barra – Pendurado na Barra com ambas as mãos, Bruce Lee levantava lentamente as pernas até que ficavam horizontalmente estendidas e as mantinham nessa posição o maior tempo possível, sempre tentando bater o tempo de permanência anterior.

Hanging leg raises no intervalo das filmagens de The Game of  Death
Hanging  leg raises Bruce deitava-se ao nível do chão ou numa prancha e puxava lentamente  pela região abdominal levantando a cabeça levemente até poder ver os pés. Com as pernas retas e unidas, levantava-as lentamente o mais alto possível e abaixava-as lentamente a uma polegada do chão ou da prancha, repetindo o processo até atingir o seu limite de resistência.

Bruce praticando dragon flag em sua casa
Weight lifting bench ou Dragon flag Num banco longo com dois suportes ou empunhaduras que ficam logo atrás da cabeça, Bruce dobrava os braços para trás, erguia todo o corpo em ponte elevadiça (pés, pernas, quadris, cintura, costas e cabeça ficavam no ar). A única parte do seu corpo que se apoiava no banco eram as pontas dos omoplatas. Esse exercício é ótimo para a parte inferior das costas.

O saco de pancadas pode auxiliar no condicionamento do abdômen
Impacto do saco pesado Ao golpear o saco com força, deixe que ele volte e atinja seu abdômen que deve estar enrijecido. Pode-se simplesmente empurrar o saco com as mãos e esperar sua volta numa postura equilibrada para absorver todo o impacto sem desequilibrar-se. Simultaneamente ao receber o golpe, enrijeça o abdômen e solte bruscamente o ar, como fazem os boxeadores quando atingidos no tronco.

Flexões de corpo no banco
Flexões do Corpo para frente e para trás Sentado numa barra ou num banco, tendo os tornozelos presos ou seguros por alguém, Bruce dobrava seu corpo para trás em direção ao chão, esticando a região abdominal o mais possível, depois voltava para a posição inicial e repetia o movimento.

Elevação de pernas em V no intervalo das filmagens de The Game of  Death
Elevando as pernas em V Bruce foi flagrado diversas vezes demonstrando esse exercício nos intervalos de suas filmagens. Sentado no chão com as pernas juntas e esticadas e com os braços e mãos paralelos ao corpo, ele suspendia levemente seu corpo com as duas mãos apoiadas ao chão elevando simultaneamente e lentamente as suas pernas (ainda juntas e esticadas) quase paralelamente ao seu tronco, formando um “V”. Ele podia permanecer na posição suspensa por até 30 minutos (segundo testemunhas).

Os exercícios isométricos eram essenciais na rotina de treino de Bruce Lee
Os exercícios isométricos eram também apreciados por Bruce Lee, pois poderiam ser praticados em qualquer lugar e a a qualquer hora, já que não requerem equipamento ou técnica especial. A prática consiste em fazer oposição muscular contra um objeto imóvel, como uma parede ou uma grade. Bruce Lee podia ficar empurrando um quadril de ferro em sua casa, com o máximo de sua força, por até uma hora. Ao tentar empurrar uma parede, por exemplo, você poderá sentir a pressão muscular gerada por todo o corpo em apenas alguns minutos. Bruce teve a ideia de desenvolver uma “barra isométrica” para treinar em casa. 

Bruce Lee na barra isométrica que ele mesmo projetou
Era uma barra de metal acolchoada no meio que podia ser adaptada a qualquer altura que quisesse entre duas peças verticais de sua armação. Ele ajustava a barra na altura dos seus ombros e a travava, assim ele ficava sob ela, tendo os ombros e o dorso do pescoço contra a para acolchoada e a empurrava para cima, elevando os calcanhares. Só nesse processo ele trabalhava os músculos dos ombros, das panturrilhas, das coxas e do estômago. E ainda segurando nas partes laterais  não acolchoadas da barra, Bruce pressionava os músculos dos braços para forçá-la para cima.

Bruce lutando contra a resistência da barra presa a uma corrente
Outro exercício isométrico feito por Bruce Lee, consistia em puxar para cima uma barra presa ao chão por uma corrente. Desta forma, com todas essas variações de exercícios isométricos, ele mantinha os chamados “instrumentos de ofício” (mãos, braços, pés e pernas) dentro do melhor condicionamento possível. Para ele não havia desculpas para não se exercitar, independentemente do lugar em que estivesse.

Bruce não praticava levantamento de pesos, mas trabalhava com pesos
Quanto aos pesos, Bruce Lee não acreditava na utilidade do levantamento de pesos, mas no “trabalho com pesos”. Ele, como muitos artistas marciais, acreditava que o excesso de trabalho com pesos poderia prejudicar a velocidade ao desferir ou reagir a golpes.  Bruce Lee teria desenvolvido assim um programa pessoal para trabalhar diferentes grupos de músculos. Nada de trabalhar peitorais, por exemplo, pois considerava anti-estéticos e não necessários para um bom soco. Preferia trabalhar com os ante-braços, músculos dos ombros, tríceps, abdômen, os músculos da “asa” e das coxas, que eram músculos necessários para um soco potente.  O trabalho com pesos para Bruce Lee deveria incluir exercícios de velocidade e flexibilidade, como correr e chutar com pesos nos tornozelos, desferir socos com pesos nos pulsos, saltar com halteres de 5 a 15 kg nas mãos.


Saltando no trampolim com pesos nas mãos

Salto no trampolim para desenvolver a agilidade e flexibilidade das pernas


Ao saltar com o uso de trampolim e utilizando os pesos nas mãos, ele ainda desenvolvia a elasticidade, flexibilidade, equilíbrio, molejo nas pernas e controle corporal. Ele saltava praticando separação de pernas, como num chute duplo com as pontas dos pés, que o capacitava ainda mais para desferir os seus famosos chutes voadores (frontal ou lateral).
Para trabalhar os ombros e parte superior das costas, Bruce não utilizava cargas máximas, apesar de usar cargas consideráveis em séries com velocidade e praticamente sem pausa. 

O exercício com pesos para os ombros
Para os músculos dos ombros, ele usualmente levantava um haltere longo (de 42 kg) com um braço de cada vez. Uma prática difícil para se efetuar, pois requer equilíbrio, precisando distribuir corretamente o peso do haltere.

Bruce praticando exercício para os pulsos 
Para os pulsos, ele utilizava um haltere curto sem o peso numa extremidade que servia de cabo e no outro era mantido, então girava o haltere para frente e para trás e de um lado para o outro sem mover o braço, torcendo apenas os pulsos.

No exercício para o fortalecimento do antebraço (estendido) o haltere de 20 kg rolava para cima e para baixo. Na foto uma variação de exercício isométrico
Para condicionar os braços e obter o enrijecimento ideal, Bruce fazia rolar um haltere de 20 kg para cima e para baixo em seus ante-braços estendidos, enquanto “fechava” os omoplatas. Bruce entendia que os músculos dos antebraços eram essenciais para o soco, além dos próprios abdominais. Outro exercício para o antebraço era o “reverse curl”, que consistia em segurar a barra com pesos nas pontas (haltere médio) com ambas as mãos e palmas voltadas para cima na altura da cintura. Em seguida ele levava a barra até o peito e voltava à posição original. Para dificultar a pegada e forçar os músculos dos ante-braços, ele  envolvia  a barra com uma espécie de esponja, que o fazia perder o poder de agarre conforme prosseguia no exercício, que o fazia depender cada vez mais da musculatura dos ante-braços. Uma alternativa desse exercício é manter os braços  estendidos e retos em frente ao corpo na altura do peito, suportando os pesos por maior tempo possível.


Flexões de um só braço com dois dedos

Flexões com os dois braços com um só dedo
As flexões de braço também eram o forte de Bruce Lee. Foi no Torneio de Long Beach, em 1964, que além da demonstração de sparring e do “soco de uma polegada”, que ele demonstrou a flexão com um só braço apoiado apenas em 2 dedos. Ele costumava praticar as flexões de dois braços com os punhos fechados (na posição de punho vertical de Wing Chun) apoiados nos “calos” dos dedos médio, anelar e mínimo. Ele também fazia flexões com os dois braços apoiados apenas nos polegares. Tais exercícios fortaleciam os ombros, braços, ante-braços, pulsos e dedos.


Numa próxima postagem (a Parte II) falarei um pouco sobre equipamentos específicos para o condicionamento das "armas" (mãos e pés) de Bruce Lee.

Por Eumário J. Teixeira