Nesta postagem especial, tentei
reunir o maior número de informações sobre o que seria o projeto mais ambicioso
de Bruce Lee no final da década de 1960. Aviso de antemão, aos quem têm certa
resistência para ler, que é melhor tomar fôlego. Em outra postagem já tratei da
verdadeira concepção que Bruce Lee teria para o filme O Jogo da Morte (The Game
of Death) que teve sua produção interrompida no final de 1972, pela proposta
irrecusável para filmar Operação Dragão (Enter the Dragon – 1973), o clássico
das artes marciais que concebeu ao Pequeno Dragão, a fama internacional.
Na verdade, O Jogo da Morte seria
um remake de A Flauta Silenciosa (The Silent Flute), um projeto que Bruce
alimentava desde o final da década de 1960 e que tomou força precisamente no
ano de 1970 quando ele apresentou suas idéias para um filme épico sobre a
filosofia das artes marciais ao ator (amigo e aluno) James Coburn e ao escritor
e roteirista (amigo e aluno) Stirling Silliphant.
Bruce reconhecia que dificilmente
conseguiria um papel de protagonista nos filmes de Hollywood devido ao
preconceito à atores de origem oriental. O máximo que ele havia conquistado até
então, eram papéis coadjuvantes ou meras participações especiais em séries de
TV (The Green Hornet, Iron Side, Longstreet, etc.) e em filmes como Marlowe
(estrelado por James Garner).
Bruce Lee concluiu que seu amigo James Coburn deveria ser o protagonista em "A Flauta Silenciosa". |
Com um projeto nas mãos, Bruce
propôs ceder ao amigo James Coburn (1928/2002), o protagonismo para um filme
que, no seu modo de pensar, seria um
filme de artes marciais sem precedentes, o primeiro a ser filmado nos
Estados Unidos e que teria além da violência habitual do gênero, uma abordagem
de diferentes estilos de luta dentro de uma qualidade técnica jamais reunida e
demonstrada nas telas do cinema; mas reforçada por uma mensagem filosófica que
faria o público refletir sobre o verdadeiro propósito da caminhada no Budô.
Bruce Lee seria um coadjuvante
importante no filme, mas teria que interpretar possivelmente quatro personagens
diferentes, já que na indústria cinematográfica dos EUA apesar de poderem
escalar facilmente atores extremamente capacitados para atuar, o mesmo não
podia se dizer em relação à lutadores que teriam que ter habilidades
específicas para os personagens da estória que Bruce tinha em mente e que ainda
pudessem interpretar.
Bruce Lee e Stirling Silliphant discutindo sobre o roteiro de A Flauta Silenciosa. |
A função do escritor Stirling
Silliphant (1918/1996), ganhador do Oscar em 1968 pelo melhor roteiro adaptado
em “O Calor da Noite” (In The Heat Of the Night) estrelado por Sidney Poitier, era
adaptar a ideia de Bruce Lee num roteiro que fluísse de tal forma que a
mensagem filosófica do filme se casasse perfeitamente com as cenas de ação
e diálogos apurados.
Assim, os três amigos que tinham personalidades,
visões e propósitos distintos na vida, passaram a se reunir três vezes por
semana onde por duas horas interruptas, voltavam-se para um só propósito, um
projeto ambicioso que denominaram “A Flauta Silenciosa”.
A partir daqui, tentarei
descrever os sentimentos envolvidos no
projeto que se tornaria o primeiro filme de artes marciais realizado nos EUA, bem
como suas expectativas, esforços e frustrações numa busca que parecia valer a
pena, detalhando ainda alguns aspectos da estória original concebida por Bruce
Lee.
A
mensagem do filme
– Bruce Lee elaborou num texto introdutório para o roteiro o que queria
transmitir no filme A Flauta Silenciosa:
Texto original escrito por Bruce Lee para a apresentação do roteiro de A Flauta Silenciosa. |
“Três espadachins sentaram-se em
uma mesa em uma pousada japonesa lotada e começaram a fazer comentários altos
sobre um mestre próximo a eles, na esperança de provocar um duelo. O mestre não
percebeu nada, mas quando suas observações se tornaram mais rudes e mais
agudas, levantou os pauzinhos e, com rápidos cortes, capturou sem esforço
quatro moscas pelas asas. Quando ele baixou lentamente os pauzinhos, os três
espadachins retiraram-se apressadamente da sala.”
“Esta estória ilustra uma grande
diferença entre o pensamento oriental e ocidental. O ocidental médio ficaria
intrigado com a habilidade de alguém de pegar moscas com pauzinhos e
provavelmente diria que não tem nada a ver com o quão bom ele seria em combate.
Mas o oriental perceberia que aquele era um homem que alcançou um domínio total
de uma arte revelando sua presença de espírito em cada ação. O estado de
totalidade e imperturbabilidade demonstrado pelo mestre, indicou o domínio de
si mesmo.”
O soco ou um chute desferidos contra um adversário na verdade são direcionados para a destruição de seu próprio ego. - Cena de Bruce Lee em Operação Dragão (1973). |
“E assim é com as artes marciais.
Para o ocidental, as estocadas com os dedos,
os chutes laterais, os socos diretos, e assim por diante, são ferramentas de
destruição e violência que, de fato, são algumas das suas funções. Mas o
Oriental acredita que a função primária de tais ferramentas é revelada quando
são auto-dirigidas e destroem a ganância, o medo, a ira e a loucura.”
“A habilidade e controle não é
o objetivo do oriental. Ele está dirigindo seus chutes e socos para si mesmo, e
quando é bem sucedido, ele estará fora de combate. Após anos de
treinamento, ele espera alcançar esse relaxamento vital e a equidade de todos
os poderes, foi o que os três espadachins viram no mestre.”
O verdadeiro artista marcial procura o relaxamento vital e a paz interior. |
“Na vida cotidiana, a mente é
capaz de mover-se de um pensamento (ou objeto) para outro - "ser" a mente em vez
de "ter" a mente. No entanto, quando se encontra face a face com um
oponente em uma competição mortal, a mente tende a parar e perder sua
mobilidade. A vulnerabilidade ou a paralisação é um problema que assombra todo
artista marcial.”
“Kwan-yin (Avalokitesvara), a
deusa da misericórdia (do Budismo e Taoismo), às vezes é representada com mil braços, cada um
segurando um instrumento diferente. Se a sua mente parar com o uso, por
exemplo, de uma lança, todos os outros braços (999) serão inúteis. É só sua
mente não parar com o uso de um braço, mas mudar de um instrumento para
outro, que todos os braços dela se mostrarão úteis e com o máximo grau de
eficiência. Assim, esta figura pretende demonstrar que, quando a verdade final
for realizada, até mesmo mil braços em um corpo, podem ser utilizados de
uma forma ou de outra.”
Bruce Lee em Fist of Fury (1972) e Kwan-yin, a deusa da misericórdia ou compaixão no Budismo e Taoismo. |
O objetivo do buscador é na realidade a "Ausência de Propósito", o "Vazio", a "Não Mente" ou a "Não Arte". |
“ ‘Ausência de Propósito’, ‘Vazio-Não
Mente’ ou ‘não arte’ são termos frequentes usados no Oriente para denotar a
conquista final de um artista marcial. De acordo com o Zen, o espírito é, por
natureza, sem forma, e nenhum "objeto" deve ser albergado nele.
Quando qualquer coisa é abrigada lá, a energia psíquica perde seu equilíbrio,
sua atividade nativa torna-se apertada, e já não flui com o fluxo. Onde a
energia é inclinada, há muito em uma direção e uma escassez dela em outra
direção. Onde há muita energia, ele transborda e não pode ser controlada. Em
ambos os casos, é incapaz de lidar com situações em constante mudança. Mas
quando prevalece um estado de "sem propósito" (que também é um estado
de fluidez ou falta de consciência), o espírito não abriga nada nele, nem é
inclinado em uma direção. Ele transcende sujeito e objeto; ele responde com uma
mente vazia para o que quer que esteja acontecendo.”
“ O verdadeiro domínio
transcende qualquer arte particular. Isso decorre do domínio de si mesmo - a
habilidade, desenvolvida através da autodisciplina, para ser calma, plenamente consciente e
completamente em sintonia com si mesmo e com as circunstâncias. Então, e só
então, uma pessoa poderá conhecer a si mesmo.”
– Bruce
Lee
Capas variadas para o famoso livro "A Conferência dos Pássaros" do místico persa, Farid Ud-Din, que teria inspirado Bruce Lee a escrever a estória de A Flauta Silenciosa. |
Como
tudo começou – O
sonho de Bruce Lee era fazer um filme que iria mostrar ao mundo a beleza e o
verdadeiro significado das artes Marciais. Começou a pensar nisso em meados de
1968, quando percebeu que a sua condição
oriental só lhe daria pequenos papéis no cinema ou na televisão na América.
Apesar de não ter o roteiro pronto, ele escreveu um rascunho com 18 páginas,
com argumentos para fazer o seu filme, que ele pensava chamar “A Flauta
Silenciosa”. Nele iria falar sobre a evolução de um artista marcial que deveria
passar por testes em diferentes níveis pelo caminho. Explicou Bruce a um
entrevistador: “É uma exploração da evolução e atitude do homem à medida em que
ele se encontra e enfrenta a morte e o
amor, em busca da verdade.” A história do filme era baseada e inspirada,
segundo algumas fontes, no livro “A Conferência dos Pássaros”, escrito no
século XII pelo místico persa, Farid Ud-Din Attar.
James Coburn "comprou" a ideia de Bruce Lee para A Flauta Silenciosa sem hesitar. Os dois se entendiam muito bem, filosoficamente falando. |
O caminho a seguir era o de
praxe, apresentar um roteiro definido, buscar a aprovação e o financiamento,
filmar e fazer a distribuição. No início de 1969, Bruce Lee e dois de seus
alunos, o ator James Coburn e o roteirista Stirling Silliphant, começaram a
trabalhar no script do filme denominado “A Flauta Silenciosa”. Para manterem a
ideia em segredo, intitularam o projeto de “Leng”, que em chinês seria o
equivalente a “belo” ou “magnífico”.
As primeiras reuniões com os
três, se davam no escritório de negócios
da Pingree, na Sunset Boulevard. A primeira entrevista exclusiva sobre o
assunto foi dada à revista Black Belt, quando anunciaram à comunidade de artes
marciais o projeto do novo filme.
Bruce previa uma nova visão
cinematográfica, uma visão de vanguarda de filmes de ação onde variados estilos
de artes marciais seriam reunidos. Ele dizia: “Está na hora de perpetuar o (típico)
herói ocidental e o espadachim (oriental). Haverá uma virada das artes
marciais, se eu conseguir fazer um novo filme com James Coburn* (estrela de “Our
Man Flint” - 1966) – (Flint Contra o Gênio do Mal – no Brasil), no qual
compartilharemos o estrelato.”
(*) Inicialmente Lee propôs o
papel à Steve McQueen, que não demonstrou muito interesse. Bruce então recorreu
à James Coburn, que era um entusiasta pela cultura e filosofia orientais, além
de ser um aluno regular de Lee que lhe administrava aulas de Jeet Kune Do.
Em concordância com Bruce Lee, Stirling
Silliphant e James Coburn decidiram investir e contratar um escritor
profissional (Mark Silliphant, sobrinho de Stirling), que apresentou um projeto
inicial em que a estória de Bruce Lee se transformaria num trama de ficção
científica misturado com sexo. Eles então dispensaram Mark e, percebendo o
crescente desespero de Bruce Lee, finalmente Stirling se ofereceu para
desenvolver o roteiro reservando três dias da semana para esse propósito.
Bruce Lee ladeado por Linda Lee e James Coburn, no aeroporto de Hong Kong. |
Segundo o relato de Linda Emery
(na época, casada com Lee), o acordo “foi puramente amigável; não havia
garantia de produção. Nos meses seguintes, encontravam-se todas as segundas,
quartas e sextas por duas horas, com a promessa de que nunca haveria
interferências, seja do trabalho ou da família, até concluírem o roteiro.”
Bruce Lee e seu grande parceiro, Jhoon Rhee, mestre introdutor do Taekwondo nos EUA. |
Em carta de março de 1969, para o
amigo e mestre de Taekwondo, Jhoon Rhee (1932/2018), Bruce confidenciou:
“Tivemos uma reunião de trabalho na sexta-feira passada para o Projeto Leng,
James Coburn, Stirling Silliphant e eu. Leng é o nome de código do nosso filme
sobre artes marciais. Leng pode significar ‘belo’ ou ‘magnífico’. Seja como
for, será um grande passo em frente. Stirling não recebeu a notificação oficial
de que seu sobrinho Mark foi demitido de seu trabalho como escritor. Assim que
outro escritor chegar com o primeiro rascunho teremos uma outra reunião para a
próxima semana. Tudo será planejado para um grande trabalho”.
Bruce Lee e Wong Shun Leung no set de Operação Dragão, em 1973. |
Para o mestre Wong Shun Leung
(1935/1997), que foi seu instrutor direto de Wing Chun, em Hong Kong no final da
década de 1950, Bruce relatou entusiasmado em carta datada em janeiro de 1970:
“Eu recentemente fundei uma empresa de produção de filmes. Eu também criei a
estória para ‘A Flauta Silenciosa’. James Coburn e eu vamos investir nisso.
Stirling Silliphant foi o autor do roteiro. Ele é um famoso escritor. Estamos
planejando fazer o primeiro filmes de artes marciais produzido por Hollywood.
As probabilidades são boas. A gravação irá começar em seis meses. Todos que irão participar do filme são meus
alunos. Já Steve McQueen poderá trabalhar comigo no futuro. Estou muito
entusiasmado com essa perspectiva”.
William Cheung ao lado de um poster de Bruce Lee, seu amigo e antigo parceiro de treino de Wing Chun, em Hong Kong. |
Em fevereiro de 1970, Bruce Lee também
teria escrito à William Cheung (hoje veterano mestre de Wing Chun nos EUA), um
de seus parceiros na juventude durante o
aprendizado de Wing Chun em Hong Kong: “Estou para realizar um filme, A Flauta
Silenciosa, para a Warner Bros e provavelmente neste outono na Índia. O filme é
sobre artes marciais e deverá ser lançado em 1972. Você vai adorar”.
As idéias afloravam na mente criativa de Bruce Lee para projetos promissores que nunca pôde realizar pessoalmente. |
Uma
Busca – Assim
Bruce idealizou o desfecho para a Flauta Silenciosa: Um aventureiro e
explorador procura por um livro sagrado e, quando o encontra, vê o seu reflexo
nele, descobrindo que o procurava estava todo o tempo nele e com ele; então, se
a reposta era essa por si só, o livro não deveria ser levado. Bruce idealizou
essa imagem para o final do filme. Ele também teria adaptado essa ideia para o
que seria o final para o inacabado O Jogo da Morte (The Game of Death)*.
(*)
Confiram as postagens referentes neste blog:
A busca incessante de Cord, The Seeker, teve um surpreendente fim diante de um espelho... |
Ainda sobre o projeto, dizia Bruce
Lee: “Basicamente é uma estória de um homem que procura sua libertação, um
retorno a uma sensação da liberdade original. Ao contrário do herói ocidental,
“o gatilho mais rápido do oeste”, o personagem não afia suas ferramentas para
destruir seus oponentes, em vez disso, os jabs de dedos, os chutes laterais e os
golpes com os punhos são dirigidos inicialmente a si próprio.”
A busca da Verdade que aflige à todo aquele que é chamado, seria retratada em A Flauta Silenciosa. |
Bruce estava com grande
expectativa para a realização do filme
que poderia finalmente significar para ele a sua aceitação como um herói, ainda
que de origem asiática, pelo público norte-americano: “Está na hora de temos um
herói oriental”.
E dizia: “Haverá algo que
acontecerá neste filme que vai tocar diferentes pessoas em diferentes níveis.
Haverá violência suficiente para agradar a qualquer um. Mas será uma exploração
da evolução e atitude do homem à medida em que ele se encontra e enfrenta a
morte e o amor, em busca da verdade.”
James
Coburn deveria desempenhar o papel de Cord, The Seeker (ou Aquele que busca),
enquanto Bruce Lee interpretaria quatro papéis: Monkey King (o Rei Macaco);
Changsha (o Cigano); A Morte; e Ah Sahm (o Monge Cego peregrino).
Segundo Bruce
Lee: “A ‘flauta’ a que o título se refere é apenas uma metáfora para o chamado
da alma que somente algumas pessoas podem ouvir. Durante essa busca pela
verdade e autocompreensão, o buscador (The Seeker) enfrenta várias provas e tem
revelações à medida que confronta seus adversários, suas dúvidas e seus medos.”
"A flauta... é apenas uma metáfora para o chamado da alma que somente algumas pessoas podem ouvir..." - Bruce Lee |
Nas
palavras de James Coburn: “É um encontro de muitas forças. Nós usamos as artes
marciais no núcleo da história, embora não seja estritamente sobre lutas e artes
marciais. A arte marcial é usada como uma ferramenta para descrever a
autoevolução do homem. As artes marciais então realmente tornam-se um veículo
para alcançar o objetivo”.
Stirling
ressaltou que ele era muito diferente de James Coburn, pois ele (Stirling) era
muito ocidental em suas perspectivas, mas sempre foi fascinado com a metafísica
oriental. Ele não era tão profundo quanto Coburn ou teria estruturado seu
estilo de vida com crenças asiáticas, mas ponderou: “Eu realmente acredito nela
(metafísica). Eu tenho um respeito infinito por isso e medo na maior parte. Eu
descobri que nós (ele e Coburn) temos muito em comum nas nossas crenças
espirituais. No que nos diz respeito, as artes marciais fazem parte desta
metafísica, a parte oriental desta expressão espiritual. Sabemos que é prático.
Nos entendemos as suas origens e benefícios, mas não estudamos artes marciais
para esses fins.”
Continua
Stirling: “Tudo isso à parte, e o fato que este é um exercício maravilhoso e
nós amamos muito Bruce, acredito que ele nos ensinou muito de tudo o que
sabemos no campo das artes marciais, nós acreditamos que era um bom tema para
um filme. O tipo de filme que nunca foi feito no contexto das artes marciais.”
Texto original escrito à mão pelo próprio Bruce Lee onde se destaca as características dos personagens principais de A Flauta Silenciosa. |
Características dos personagens
de A Flauta Silenciosa - James
Coburn iria interpretar Cord, The Seeker (ou “aquele que busca”), enquanto
Bruce Lee interpretaria quatro papéis, Monkey King (o Rei Macaco); Changsha (o Cigano); A Morte; e Ah Sahm (o Monge Cego
peregrino).
- Ah
Sahm (O Monge Cego tocador de flauta) – Um monge peregrino mestre das artes
marciais e guia para o buscador em sua jornada pelo livro da sabedoria.
- Cord (“The
Seeker”, o buscador) – Um lutador que se infiltra num torneiro de artes
marciais que daria ao vencedor o direito de desafiar Zetan, o guardião do livro
que guardava toda a sabedoria do mundo.
- O Homem
Mecânico - Morthond, lutador que conduziu Cord - com má vontade - para a
primeira das três provações. Ele é estilista condicionado e confinado dentro
dos limites de seu estilo e é cego em sua fé no sistema. Rígido em forma e
maneira, mas definitivamente adorável.
- O Rei
Macaco - o primeiro oponente aterrorizante de Cord. Representava o Ego. Ele era
o primeiro julgamento. Um artista marcial tecnicamente hábil, mas sem
profundidade de alma. Ele adquiriu o poder de manipular as situações e as
pessoas, mas não o que ele era em si mesmo. Quando a "macaquice" fosse
retirada dele, ele permaneceria vulnerável como qualquer ser humano.
- Tara -
Uma garota que conduz Cord através do ritual de amor do yoga tântrico e ensina
a ele o significado último do amor, no segundo julgamento.
- A
Morte – O espírito da morte surge para testar a coragem de Cord.
- O Homem
Ritmo (Changsha, o Cigano) - Um verdadeiro conhecedor e mestre das artes marciais.
Sua arte deslumbrante é uma forma de expressão de sua alma. Ele tem absoluta
liberdade interior, que é perfeitamente dispensada a todo instante. Ele é o
guia dos líderes. Cord para integrar-se em seu ser, deveria entrar
instantaneamente no reino atemporal da simultaneidade e da totalidade.
- Zetan
– O Guardião do Livro que teria toda a Sabedoria do Mundo, ele seria o último
obstáculo de Cord.
"E diante de mim agora há somente um fato real, a morte."
"A verdade que eu vinha buscando, esta verdade é a morte." - Bruce Lee
|
Pausa para o Espírito da Morte – No roteiro original, Cord (o buscador) interpretado por James Coburn, se depara com o espírito da morte, interpretado por Bruce Lee. A morte testa a coragem de Cord, que acaba por dissipar o espírito opressor por não demonstrar nenhum temor. A fala original de Cord ao encarar a morte foi escrita por Bruce Lee. Aqui transcrevo a fala integral de Cord:
“Claro
que você está aí, a morte sempre está aí.”
“O
que você poder tirar de mim que não já é seu?”
“Tudo
o que tenho feito até agora, tem sido inútil e não levou a nada.”
“Não
há outro caminho exceto aquele que não leva a nada.”
“E
diante de mim agora há somente um fato real, a morte.”
“A
verdade que eu vinha buscando, esta verdade é a morte.”
“Contudo
a morte também é buscadora.”
“Está
sempre à minha procura.”
“Assim
finalmente nos encontramos.”
“E
estou preparado. Estou em paz.”
“Porque
conquistarei a morte com a morte.”
- (Tradução do texto original
escrito por Bruce Lee)
A
Iluminação alcançada por aquele que busca – Nas anotações de Bruce Lee:
Uma mente restaurada é uma mente
imune a influências emocionais, livre de medo, raiva, tristeza, ansiedade e de
união afetuosa regular.
Quando a mente não está presente,
olhamos e não vemos; nós ouvimos e não entendemos; comemos e não sabemos o
sabor do que comemos.
Não permitir que coisas externas
alguma emaranhem a mente; em outras palavras, que mudanças externas não alterem
a mente.
Essa função reside na supressão
dos sentidos e na redução do desejo.
Um homem de Kung Fu repousa
nisso, e porque ele descansa, ele está em paz, ele fica quieto.
Aquele que está em paz e está
quieto, nenhuma tristeza ou dano pode entrar; portanto, seu poder interior
permanece inteiro e seu espírito intacto.
A natureza da água é que, se nada
for misturado, ela permanecerá clara; se nada a agita, permanecerá suave.
- Lembre-se:
1 - Ser uma coisa e não mudar, é
o clímax da quietude.
2 - Não ter nenhuma resistência,
é o clímax do vazio.
3 - Permanecer desapegado à todas
as coisas externas, é o clímax da prudência.
4 - Não ter em si contrariedade,
é o clímax da pureza.
- “Sem Mente” – “Sem Pensamento”
Ver o verdadeiro "eu" e dispensar as máscaras da ilusão no caminho para a "Iluminação"... |
Descarte todos os pensamentos de
recompensa, todas as esperanças de elogios e medo de julgamentos, toda a
consciência do próprio corpo e, finalmente, feche os caminhos da percepção
sensorial e deixe o espírito agir como quiser.
O derramamento mais alto opera em
um nível quase inconsciente.
A Mente Restaurada - Texto original e escrito à mão por Bruce Lee. |
A Jornada dos Três Guerreiros
Obstinados – Um
artista marcial famoso, um ator consagrado e um escritor premiado se juntaram
para capturar para capturar a “alma” das artes marciais em um filme. Eles
esperavam espalhar a mensagem da evolução humana na prática das artes marciais.
Bruce Lee recepcionando a James Coburn no aeroporto de Hong Kong em meados dos anos de 1970. |
Bruce Lee recebe o amigo, aluno e roteirista consagrado, Stirling Silliphant, em Hong Kong. |
Era uma
combinação incomum de forças para um empreendimento inovador e ambicioso. James Coburn e
Stirling Silliphant eram ambos alunos de Bruce Lee em Jeet Kune Do e, mais do
que isso, era uma aliança das estrelas com suas distintas personalidades.
Com todo esse comprometimento o
roteiro foi concluído por volta de maio de 1970 (algumas fontes se referem a
março). O próximo passo seria Stirling apresentar o projeto à Ted Ashley,
diretor da Warner Bros. O roteiro foi aprovado pela Warner Bros que prometeu
investir na ideia. Mas tinha um porém, o filme deveria ser filmado na Índia,
onde a Warner tinha uma grande soma
de rúpias (moeda local) bloqueada.
Duas situações fizeram com que o
andamento do projeto fossem interrompidos momentaneamente: James Coburn teve
que viajar para a Itália para filmagens e, enquanto Bruce Lee esperava pelo seu
retorno, continuou com a sua rotina habitual. Prosseguiu ensinando Jeet Kune
Do, participando de demonstrações em torneios de artes marciais como convidado e
mantendo seu treinamento físico em dia; mas então ocorre o terrível acidente enquanto
manejava halteres com pesos em sua casa. O resultado foi uma grave lesão em sua
coluna, em 13 de agosto de 1970, que o deixou praticamente paralisado e inativo
fisicamente. Foram precisos quase seis meses para a sua total recuperação.
Em
fevereiro de 1971, quase totalmente recuperado e com Coburn retornando
definitivamente da Itália, Bruce, James e Stirling foram à caça de locais
apropriados para filmagem na Índia. Eles começaram a busca em Nova Delhi, antes
de viajar para Rajasthan e depois prosseguir para Goa. Eles estavam em busca de
cenários nos desertos, mas não conseguiram encontrar um “deserto” compatível
com a estória.
Bruce Lee, James Coburn e Stirling Silliphant sendo recepcionados no aeroporto de Nova Delhi, na Índia. |
O início da busca pelos melhores cenários na Índia, se inicia... |
O cenário indiano não se
encaixava na ideia original de Bruce Lee, que pretendia filmar no Japão,
Tailândia e até no Marrocos; além disso, a Índia não oferecia o cenário com as
paisagens que ele precisava e também não dispunham de lutadores capacitados à
altura do projeto. Mas como era para “pegar ou largar” os três amigos aceitaram
a imposição da Warner Bros.
Testes fotográficos nos cenários desérticos da Índia. |
Bruce Lee desfere alguns golpes para o amigo James Coburn registrar... |
A busca pelos cenários para a Flauta Silenciosa na Índia não seria nada fácil... |
Espera, corrida, salto e chute voador desferido... |
Frustrados
com o insucesso na procura por um melhor cenário em vários pontos na Índia, o
projeto acabou sendo arquivado e Bruce retornou para Hong Kong para prosseguir
com sua carreira como ator de filmes de Kung Fu enquanto Coburn e Silliphant
voltaram para os EUA. Em julho de 1971 começava as filmagens de O Dragão Chinês
(The Big Boss) na Tailândia.
Bruce
voltaria a pensar num remake para a Flauta Silenciosa em 1972, quando terminou as filmagens de O Voo do
Dragão (The Way of the Dragon).
Ele idealizou uma jornada equivalente ao do
buscador de A Flauta Silenciosa; o filme teria o título inicial de “Punho do
Sul – Perna do Norte” (Southern Fist – Nothern Leg), que seria uma história de
época para a qual Bruce teria até feito alguns ensaios fotográficos com roupas
típicas e armas chinesas tradicionais.
A estória de O Jogo da Morte seria uma adaptação do roteiro de A Flauta Silenciosa. |
Mas a ideia que acabou vingando foi
sobre uma busca num pagode de cinco andares, na Coréia do Sul, onde um lutador
obstinado teria que usar todo o seu desprendimento e poder de assimilação à
situações adversas para superar os seus obstáculos e alcançar seu objetivo. O
filme se chamaria “O Jogo da Morte” (The Game of Death). Mas aí já é outra
história ou seria a mesma?!?
O remake adotado por David Carradine para "A Flauta Silenciosa", conhecido também como 'O Círculo de Ferro', de 1978. |
Um Remake para o que seria a Obra
Definitiva de Bruce Lee
- Uma versão sofrível para “A Flauta Silenciosa” foi lançada em 1978, com o
título “Circle of Iron” (Círculo de Ferro). O filme foi estrelado pelo ator
David Carradine que, por incrível coincidência (?!?), se apossou e interpretou
novamente os personagens concebidos por e para Bruce Lee (a última vez foi na
série para TV, “The Warrior” que passou a ser chamada “ Kung Fu”, lançada em
1972). Esse remake de A Flauta Silenciosa (com bela fotografia) foi filmado em
Israel, sob a direção de Richard Moore; produção de Sandy Howard e Paul
Maslansky; e com roteiro (modificado) de Stirling Silliphant e Stanley Mann. As cenas de luta foram de fracas
para razoáveis. Joe Lewis, campeão de Karate point (aluno de Bruce Lee) e
posteriormente pioneiro de Full Contact, foi escalado para fazer o papel de
Cord, mas acabou recusando porque ele e David Carradine não se davam. Apesar
disso, Lewis teria ajudado ao outro karateca campeão (também conhecido de Bruce
Lee), Mike Stone, na coreografia das lutas. O único ator/lutador/dublê que se
destaca no filme foi Antony de Longis que interpreta o lutador Morthond. Cord
(the seeker) foi interpretado pelo inexpressivo, Jeff Cooper; Christopher Lee
interpretou Zetan; e David Carradine interpretou o Monge Cego; o Rei Macaco; a
Morte; e Changsha, o cigano. Carradine até que se esforçou, mas quando penso
que Bruce Lee deveria ter encarnado aqueles papéis, me vem um sentimento de perda e frustração. Fazer
o que? Walk On!
Fiquem em Paz e "Walk On"! |
Por Eumário J. Teixeira.