Enter the Dragon

sexta-feira, 13 de março de 2015

BRUCE LEE E SUA ROTINA DIÁRIA DE TREINAMENTO – Parte II


Dando continuidade à postagem anterior sobre os métodos de treinamento que Bruce Lee ainda praticava nos Estados Unidos antes de se mudar definitivamente para Hong Kong para se tornar o maior astro dos filmes de artes marciais do planeta e de todos os tempos,  vou enfatizar desta vez os equipamentos que ele utilizava para para afiar suas ferramentas de ofício, ou seja, as mãos e os pés. É bom frisar que Bruce Lee tinha uma rotina de treinamentos diferenciada nos Estados Unidos, porque apesar de sua relativa fama obtida através de sua participação em algumas séries de TV como o Besouro Verde (The Green Hornet), na qual co-estrelou com Van Williams e que durou uma temporada; Longstreet, com James Franciscus (onde brilhou nos três capítulos iniciais); e em alguns filmes de repercussão como Marlowe, com James Garner (no qual Lee teve uma atuação impactante), ele ainda dispunha de tempo suficiente para  treinar, pesquisar, trocar e desenvolver técnicas efetivas para o Jeet Kune Do com mestres de outros estilos de lutas e ainda dar aulas. Quando voltou para Hong Kong, as coisas mudaram com sua fama cada vez mais crescente, pois já não podia se dar ao luxo de fazer uma simples caminhada pelas ruas sem ser assediado e a agenda de compromissos lotada não lhe permitia lecionar ou instruir uma nova turma de Jeet Kune Do. Bruce Lee dispunha apenas de um tempo restrito para um treino particular (de aprimoramento físico e técnico) no ginásio improvisado em sua casa ou nos sets de filmagens, onde criava e treinava exaustivamente as seqüências de lutas de seus filmes. Muitos biógrafos concordam que a partir de 1971 até a sua morte em julho de 1973, Bruce teria negligenciado seu desenvolvimento pessoal como artista marcial por falta de tempo e, conseqüentemente, sua saúde poderia ter sido prejudicada também, porque o conceito ou caminho do Jeet Kune Do estava envolto num sistema dinâmico que compreendia estudos, pesquisas, treinamentos específicos, dietas, etc. Mas isso é um assunto que trataremos no futuro, voltemos ao assunto principal, a rotina (original) de treinamento diário de Bruce Lee.

Bruce lee e seu "boneco de madeira" made in Hong Kong
O Boneco de Madeira conhecido também como Wood Dummy ou Mudjong. Tal equipamento foi popularizado justamente por Bruce Lee nos EUA, uma peça fundamental para o treinamento dos praticantes de Wing Chun (Ving Tsun) e que foi adotado também por outros estilos de Kung Fu como o Praying Mantis (Louva-a-Deus) e Choy Lay Fut. Bruce ao imigrar para a América fez questão de trazer o seu boneco de madeira, mas posteriormente fez algumas modificações nele tornando-o mais sofisticado. 

Agarre, chute baixo, defesa e ataque simultâneos no mudjong
O mudjong era erguido  sobre uma plataforma de madeira de 8/8 polegadas e escorado por um suporte de molas de metal e amortecedores de carro, gerando uma reação próxima do real aos socos de Bruce Lee. A peça tinha  1,98 m de altura por 30 cm de diâmetro e possuía dois braços de madeira móveis logo abaixo da altura do pescoço e um terceiro braço no centro na altura da cintura, com comprimento de 66 cm. Também possuía duas pernas que prolongavam-se como pés em um terceira perna de metal ao centro estendendo-se para fora e para baixo. 


Afiando as armas: Estocadas, bloqueios duplos, chutes e mais defesas e ataques simultâneos no boneco de madeira
Treinar com o boneco de madeira possibilitava a Bruce Lee praticar bloqueios e socos simultâneos em diversos ângulos, imobilização, o agarre e o puxar dos “braços” do adversário e também desferir seus potentes socos diretos. Bruce também praticava os “jabs” com as pontas dos dedos no boneco de madeira, simulando o ataque aos olhos. O mudjong ainda permitia a Bruce Lee simular o bloqueio com sua perna direita à frente, dos chutes do oponente graças a “perna” de metal instalada no centro do aparelho, que também dificultava a sua aproximação e o obrigava a utilizar técnicas alternativas de ataques ou contra-ataques com as mãos ou pés em posições e ângulos diferentes. Para praticar socos no mudjong era necessário um condicionamento prévio das mãos, punhos, pontas de dedos e antebraços, falarei disso mais na frente.

Bruce treinando o chute lateral circular com o peito do pé num saco pequeno
Bruce Lee utilizava os sacos de pancadas de diferentes pesos e tamanhos que variavam de 31 a 113 quilos, para finalidades diversas.

No saco de 31 quilos, Bruce treinava sequências rápidas de socos variados e cotoveladas
O saco de 31 quilos, recheado de algodão comprimido, era utilizado para as técnicas de socos e chutes com precisão e velocidade, no qual ele aprimorava  o “timing” (que envolve o tempo, velocidade e ritmo conjuntamente) e lhe permitia golpear no momento e distância certas da forma mais poderosa possível. Neste tipo de saco ele desferia socos rápidos e de forma contínua, que manteria um oponente desequilibrado e impossibilitado de reagir. Era neste saco também que Bruce Lee preferencialmente praticava o chute giratório e golpes de cotovelo com o giro de quadril.

Demonstração do chute giratório com o calcanhar na altura da cintura
O saco de 113 quilos era mais utilizado para a prática de chutes potentes. Bruce costumava chutá-lo e detê-lo na volta, em ponto morto.

O potente chute lateral de Bruce Lee deslocava o saco de pancadas junto com o parceiro de treino
Outro hábito era posicionar algum parceiro de treino de costas atrás e encostado no saco e, quando Bruce chutava,  a pessoa era deslocada de forma brusca para frente. Geralmente Bruce Lee utilizava o chute lateral ou o chute em gancho nessas sessões de treinamento.

Foto do famoso saco gigante dado a Bruce Lee por Bob Wall
O saco gigante (dado a Bruce Lee por Bob “O’Hara” Wall) pesava 136 kg, media 1,35 metros de largura e 1,65 metros de altura e ocupava uma boa parte da área de treinamento. Praticamente, só Bruce Lee conseguia movê-lo com seu chute lateral. Era preciso pelo menos dois homens com os braços esticados e unidos para conseguir abraçar o saco gigante. Por ser um equipamento enorme, mas macio, era preciso desferir o golpe com todo poder para conseguir um mínimo de impacto, pois seu tamanho absorvia o poder e força de qualquer um que o golpeava. 

O saco gigante que Bruce Lee teria chutado, derrubado e destruído a estrutura do teto da sua varanda
Era como golpear um tronco de árvore e apenas Bruce Lee, com seus 60 e poucos quilos, podia tirá-lo notadamente do seu eixo com seu poderoso chute lateral. Bob Wall teria dado a Bruce Lee por não acreditar que ele pudesse deslocá-lo com seus golpes.  Além disso Bruce teria comentado ironicamente, em certa ocasião, que os sacos que foram presenteados por Bob Wall ao lutador profissional Joe Lewis eram do tamanho de uma criança e que eles deveriam ter confeccionado um equipamento do tamanho de um homem. Bob Wall resolveu então pregar uma peça em Bruce Lee e o presenteou com o saco de 136 kg contando que ele não teria potência suficiente para mover o imenso equipamento com seus golpes, pois era apenas um peso-leve. Bruce Lee ficou surpreendido pelo tamanho do equipamento e o testou pela primeira vez com seu chute lateral, mas desequilibrou-se e caiu, para a satisfação de Bob Wall. Mas no seu íntimo, Bob sabia que era uma questão de tempo para Bruce se adaptar ao saco gigante. Quando Bob Wall retornou à casa de Bruce, constatou o que a determinação de um verdadeiro artista marcial pode realizar. Bruce saltou em direção ao saco gigante que já estava instalado em sua varanda e desferiu seu melhor chute lateral, fazendo com a estrutura do teto desabasse completamente junto com o gigantesco saco de pancadas. Muitos não acreditam na história, mas o testemunho de lutadores profissionais e respeitáveis como Bob Wall e Joe Lewis, que presenciaram várias vezes Bruce golpeando o equipamento gigantesco, bastaria para acreditar. Bob Wall alegou em entrevista recente que tem filmagens exclusivas de Bruce Lee golpeando o saco de pancadas gigante e estaria negociando para divulgá-las.

Os sacos quadrados de lona fixados à parede recheados de areia, pedregulhos ou limalhas, feitos exclusivamente
para os punhos de Bruce Lee
O saco quadrado de lona de parede era recheado de feijões e servia  para desenvolver técnicas de profundidade e penetração. Era como atingir alguém de carne e osso. Nele Bruce Lee praticava socos diretos, jabs com as pontas de dedos e chutes também. Outras peças parecidas recheadas de pedregulhos e limalhas de aço ou areia, eram usadas para o treino do soco direto a curta distância. Esses sacos não eram apropriados para golpes em velocidade.

Bruce Lee condicionando suas mãos em caixas de areia com pedregulhos
Em relação ao condicionamento das mãos, Bruce chegou a enrijecer de tal forma suas articulações que formaram consideráveis calosidades nas juntas dos dedos, o que lhe permitia socar qualquer equipamento com segurança. Para chegar a ter os punhos tão poderosos, Bruce Lee batia contra qualquer superfície dura, incluindo sacos de areia, a sacola quadrada de lona de areia com pedregulhos ou limalhas de aço e o boneco de madeira. Outra forma de condicionamento que utilizava era mergulhar a mão aberta em caixas cheias de areia com pedregulhos. 
Detalhe da calosidade nas articulações da mão de Bruce Lee
Bruce sempre acreditou que as mãos e pés deveriam ser afiados diariamente. Porém, mais tarde, talvez por falta de tempo nos seus anos finais em Hong Kong, ele deixou de desenvolver os calos nas articulações, defendendo que eram apenas ornamentais, podendo causar, inclusive, danos no funcionamento das mãos e movimentação dos dedos. Mas é claro que ele a essa altura ele já havia conquistado enorme resistência nos punhos para socar qualquer superfície dura sem se lesionar.

Velocidade e potência podem e devem ser combinadas
Qual a melhor opção, a velocidade ou a potência? Mesmo ao golpear um saco pesado, pode-se fazê-lo com uma combinação de velocidade e poder. A postura usual de combate de Bruce Lee era manter a mão e pé direitos à frente, porque eram suas “armas” mais afiadas e rápidas. Ao contrário de um lutador profissional de boxe destro, que mantém a mão esquerda para jabear ou fintar à frente, recolhendo sua mão dominante para o golpe definitivo. 

Bruce adotava a postura inversa do boxeador ocidental, suas armas principais (mão e pé direitos) ficavam à frente por serem mais velozes
Assim Bruce posicionava sua “mão condutora” (ou mão direita) à frente, conduzindo a ação de interceptação em combinação com o pé direito, pois eram mais velozes; a mão traseira (ou esquerda) era usada para desferir golpes com mais poder. 

Tanto o soco que é desferido com a mão que está à frente ...

...ou com a mão traseira, pode ser desferido com rapidez e potência simultâneos
De qualquer forma deve-se treinar socos potentes com ambas as mãos no saco de pancadas e Bruce Lee conseguia socar com velocidade e poder tanto com a mão da frente quanto com a mão traseira. Quem esperasse que sua mão esquerda recolhida pudesse disparar a qualquer momento o seu melhor soco, geralmente era surpreendido com seu poderoso direto de direita sempre à frente e apontado para o nariz do oponente. Normalmente quando se quer atingir algo com velocidade, deve se ter velocidade em mente e não poder; e quando se quer atingir algo com potência, a mente deve estar focada no poder mesmo que, para isso, a velocidade seja prejudicada. Da mesma forma que para enfrentar alguém de maior estatura e mais forte, você deve utilizar a velocidade, ao enfrentar alguém que seja mais baixo e mais rápido, você deve usar a potência. 

Outro exemplo do soco com a mão dianteira com velocidade estonteante
Aqui, uma impressionante combinação de velocidade, potência e controle


Na próxima postagem, Bruce Lee e Sua Rotina Diária de Treinamento – Parte III, daremos destaque a outros equipamentos de treino de Bruce Lee destinados à  manutenção de suas “ferramentas” de ofício. Até lá.

Eumário J. Teixeira