A
polêmica em torno da caracterização de Bruce Lee pelo ator Mike Moh sob a
direção do controvertido diretor Quentin Tarantino no filme “Era Uma Vez em
Hollywood”, persiste. E a meu ver por muitas razões. Quentin Tarantino, na
verdade, cutucou a onça ou um vespeiro (como queiram) com vara curta. Ele
descobriu da pior maneira que o culto à Bruce Lee ainda está bem forte, mesmo
após 46 anos de sua morte completados em julho deste ano de 2019. Os
admiradores e verdadeiros fãs de Bruce Lee conhecem à fundo a personalidade e o
forte caráter do Pequeno Dragão e, portanto, não aceitariam de forma nenhuma
quaisquer deboches em relação ao maior ídolo das artes marciais de todos os
tempos. Aliás, depois desta estrondosa gafe de Quentin Tarantino, tornou-se
claro, ao contrário do que ele sempre posicionou, que o mesmo nunca foi de fato
fã ou admirador de Bruce Lee.
Cartaz do filme "Era uma Vez em Hollywood" do polêmico diretor Quentin Tarantino. |
Um
verdadeiro fã não iria tentar desconstruir uma imagem de seu ídolo que foi
perpetuada por quase 50 anos, através de suas incríveis performances desde suas
demonstrações nos torneios Internacionais de Karate de Long Beach, na Califórnia,
em 1964 e 1967; passando por sua marcante representação de Kato, na série O
Besouro Verde (The Green Hornet, 1967); até seu quarto e último filme Operação
Dragão (Enter the Dragon, 1973) e o incompleto O Jogo da Morte (The Game of Death, 1972); citando ainda a produção de
inúmeros documentários sobre sua obra; publicações de livros biográficos e
sobre seu conceito de arte marcial, denominado Jeet Kune Do; depoimentos de
seus amigos e parceiros, alunos, familiares e lutadores respeitados dos mais
diversos estilos de artes marciais, além de atores renomados e dublês lendários
de Hollywood dos anos de 1960/70, tudo
isso seria detonado, intencionalmente ou não, nas curtíssimas cenas de ação mal
intencionadas e caricaturais dirigidas por Quentin Tarantino, se não fosse pela
reação em massa dos fãs de Bruce Lee espalhados por todo o mundo.
O filme "A Origem do Dragão", de 2017, foi a primeira tentativa sutil de Hollywood para denegrir o mito Bruce Lee. |
Me
parece que Tarantino aderiu à onda política da atual Hollywood que é
desmistificar e destruir os grandes personagens heroicos do cinema, e
principalmente os que transmitiam a imagem do “mocinho” másculo, destemido e
justiceiro que inspiravam os garotos e faziam as meninas suspirarem nas
poltronas. Quem se esqueceu da versão arrogante e imatura de Bruce Lee no
filme "A Origem do Dragão" (The Birth of the Dragon - 2017) contra o
sábio monge budista, Wong Jack Man, que ainda contrariou fatos históricos
comprovados? Foi a primeira tentativa de Hollywood denegrir a imagem do Pequeno
Dragão em favor de um desafiante derrotado. Atualmente, todo cuidado é pouco
para não machucar os sentimentos de uma geração mi mi mi, sensível ou
“politicamente correta” contemporânea que é adulada com "anti-heróis"
adaptados aos novos tempos. Ainda pior, é crer que Tarantino quis trazer à tona
algo que já estava nas profundezas do esquecimento, o preconceito racial e
barreiras impostas principalmente contra os atores de origem asiática em
Hollywood.
Mas
a discussão está apenas girando em torno do resultado da luta apresentada no
filme entre o jovem ator e artista marcial, Bruce Lee (Mike Moh) e o veterano
dublê, Cliff Both (Brad Pitt); o que foge do foco da questão, pois a luta em si
poderia terminar em empate ou em vitória de um ou de outro numa disputa
apertada e equilibrada, sem problemas, já que se tratava de um jovem Bruce Lee,
de apenas 27 anos, chegando à maturidade e que ainda não tinha revisto e
reformulado seus conceitos para criar o seu próprio estilo, o Jun Fan Gung Fu,
que mais tarde se tornaria o Jeet Kune Do.
Lee
enfrentaria um dublê durão, experiente e bom de briga, ex-fuzileiro e
quarentão. O problema, na verdade, foi como Bruce Lee foi representado nas
telas na depreciativa visão de Tarantino.
No filme de Tarantino, Bruce Lee (Mike Moh) fala sem parar sobre suas mãos registradas como armas letais e que poderia aleijar o campeão Muhammad Ali... |
O dublê veterano Cliff Both (Brad Pitt) toma as dores e resolve desmascarar o falastrão Bruce Lee (Mike Moh) em três tentativas... |
Humilhado pelo dublê (Brad Pitt) que o vence com certa facilidade ao atirá-lo contra o carro, Bruce Lee (Mike Moh) insiste sem sucesso até serem interrompidos... |
Tarantino
exibiu um Bruce Lee arrogante, falastrão e que mal poderia sustentar o que
prometia fazer, ou seja, uma farsa. Na versão de Tarantino, Bruce Lee (Mike
Moh) chegou ao ponto de dizer que ele poderia derrotar e aleijar a lenda dos
pesos pesados, Muhammad Ali, o que deixou o dublê Cliff Both (Brad Pitt)
incomodado com tamanha arrogância.
Bruce Lee, o verdadeiro, fazendo sparring com o dublê (real) de Van Williams (astro de O Besouro Verde), Bennie Dobbins, em 1970. |
Bruce Lee treina o chute lateral voador contra o dublê Bennie Dobbins, em 1970. |
Tarantino
que se dizia fã do Pequeno Dragão se mostrou ignorante neste ponto, já que é
sabido pelos estudiosos de Bruce Lee que o mesmo admirava Muhammad Ali e sua
movimentação elegante nos ringues e se percebia visivelmente que Lee se
movimentava (ou dançava nas pontas dos pés) em seus filmes imitando Ali. Bruce
chegou ao ponto de assistir um documentário com cenas das lutas de Ali em imagem invertida através de um espelho para estudar e adaptar
a as técnicas do famoso boxeador ao Jeet Kune Do, já que na posição de luta no
seu sistema (JKD), o punho direito ficava à frente para interceptar com um soco
direto ao contrário do boxe tradicional, que lançava o punho esquerdo à frente
para jabear e fintar para então lançar a direita para nocautear. Detalhes que
um verdadeiro fã deveria conhecer.
Bruce Lee vs. Muhammad Ali, a luta poderia ter acontecido? |
Bruce
planejava se encontrar com Muhammad Ali, seu grande sonho, quando fosse
promover Operação Dragão (Enter the Dragon – 1973) nos EUA, depois de uma
entrevista agendada com Johnny Carson no The Tonight Show na TV, para quem sabe
treinarem juntos e trocarem ideias e experiências. Ele e Ali tinham muitos
amigos em comum, dentre os quais, o mestre de Taekwondo Jhoon Rhee e o karateca
Jim Kelly (Williams, em Operação Dragão).
Quando soube da morte de Bruce Lee em julho de 1973, Ali teria comentado respeitosamente: "Morreu o único homem capaz de me vencer."
Em contrapartida, Bruce Lee teria respondido anteriormente quando lhe perguntaram sobre qual estratégia usaria para vencer Muhammad Ali, e ele ironizando, disse: "Todos dizem que devo lutar com Ali algum dia, mas compare o tamanho das mãos dele com as minhas mãos chinesas tão pequenas. Ele me mataria...". Bruce sabia do seu potencial extraordinário ainda que tivesse apenas 1,68m e 58-62kg, mas tinha consciência que teria poucas chances com o habilidoso e poderoso boxeador de 1,91m e 107 kg.
Quando soube da morte de Bruce Lee em julho de 1973, Ali teria comentado respeitosamente: "Morreu o único homem capaz de me vencer."
Em contrapartida, Bruce Lee teria respondido anteriormente quando lhe perguntaram sobre qual estratégia usaria para vencer Muhammad Ali, e ele ironizando, disse: "Todos dizem que devo lutar com Ali algum dia, mas compare o tamanho das mãos dele com as minhas mãos chinesas tão pequenas. Ele me mataria...". Bruce sabia do seu potencial extraordinário ainda que tivesse apenas 1,68m e 58-62kg, mas tinha consciência que teria poucas chances com o habilidoso e poderoso boxeador de 1,91m e 107 kg.
As
reações negativas e condenações vieram em resposta à essa caricaturização de
Bruce Lee em Era uma Vez em Hollywood. Inicialmente, se pronunciou em
desapontamento, a filha de Bruce, Shannon Lee e sua mãe, viúva de Lee, Linda Lee
Cadwell. A seguir se pronunciaram Danny Inosanto, o mestre das armas brancas e
do combate de origem filipina, amigo e parceiro de Bruce Lee de muitas
jornadas; também estudiosos de Bruce Lee como o escritor Mathew Polly; o aluno
e amigo de Lee, o ex-campeão de basquete dos Lakers, o lendário Kareen Abdul
Jabbar; sem contar os fãs e blogueiros de todo o planeta revoltados com o desrespeito
a insensibilidade de Quentin Tarantino, que ofendeu a memória do Pequeno Dragão
e desrespeitou a família Lee.
Bruce Lee segurando Brandon e Shannon, em dezembro de 1969. |
O que disseram os que entraram na
polêmica ? Vamos começar então pela família Lee:
Shannon Lee ficou incomodada com o público no cinema rindo de seu pai na representação feita por Mike Moh sob a direção de Tarantino. |
Shannon Lee
– A filha de Bruce Lee fez duras críticas em relação à representação de seu pai
no filme de Tarantino. Ela sentiu que houve zombaria por parte de Tarantino e que
o resultado a deixou decepcionada. Shannon disse não ter gostado de ver o pai
ser representado como arrogante e falastrão. Ela lembrou que na década de 1960,
o mercado do cinema norte-americano para
atores asiáticos era difícil, o que não foi demonstrado no filme de Tarantino.
Bruce perdeu alguns papéis para atores brancos (que se passaram por asiáticos)
que poderiam ser perfeitamente para ele, apenas pelo fato dele ser de origem
oriental. David Carradine é um exemplo, ele fez a série de TV Kung Fu (The
Warrior, título original) e o filme A Flauta Silenciosa (The Silent Flute),
ambos projetos de Bruce Lee. Ela disse poder entender o período retratado de
racismo e exclusão e que os personagens seriam anti-heróis e que até aceitaria
a possibilidade do personagem de Brad Pitt (Cliff Both) vencesse Bruce Lee, mas
não precisavam tratá-lo no filme da mesma forma com que certamente alguns
brancos de Hollywood o fizeram em vida. Talvez Tarantino tentasse mostrar como
Bruce era visto, mas não funcionou, disse Shannon. Ele aparece como um saco de pancadas egoísta e arrogante que fala sobre coisas que desconhece. Nada
a ver com aquele que teve que lutar três vezes mais que os outros (brancos)
para conquistar o espaço que os demais conseguiram com naturalidade.
Decepcionada, Shannon ainda diz que foi muito desconfortável presenciar as
pessoas rindo do seu pai na sala do cinema.
Shannon Lee diante dos túmulos de seu pai e irmão (Brandon Lee) no cemitério Lake View, de Seattle. |
Diz
ainda Shannon Lee: “O diretor parece ter se empenhado para tirar sarro do meu
pai e para retratá-lo como um palhaço.”
Em
resposta aos comentários de Tarantino, que bateu o pé e afirmou que Bruce era
mesmo daquela forma arrogante retratada em seu filme, Shannon disse que “Ele
poderia calar a boca sobre isso. Isso seria muito bom. Ou ele (Tarantino)
poderia pedir desculpas ou poderia dizer: ‘Eu realmente não sei como Bruce Lee
era. Eu acabei de escrever para o meu filme. Mas isso não deve ser considerado
como ele realmente era.’"
Shannon
considerou que a confiança de seu pai pode ter sido confundida com arrogância e
nunca o julgou um “homem perfeito”. Shannon frisa que esse tipo de crítica
recorrida por Tarantino dirigida a seu pai, ela já teria ouvido de outros
artistas marciais brancos de Hollywood. Ela reconhece que é apenas um filme de
ficção e que Tarantino poderia retratar Bruce Lee do jeito que quisesse, mas
não seria honesto afirmar que seu pai era assim.
Shannon
ainda lembra: “Ele foi continuamente marginalizado e tratado como um incômodo
na Hollywood branca, da mesma forma que foi mostrado no filme de Tarantino.
Espero que as pessoas aproveitem a oportunidade para descobrir mais sobre Bruce
Lee, porque há muito mais para descobrir e muito mais para se entusiasmar. O
que o filme retratou definitivamente não era ele.”
Bruce Lee com sua filha Shannon, em Hong Kong, 1972. |
Shannon
confirma o que sempre foi dito pelos estudiosos de Bruce Lee, que por ser de
origem asiática e ter um sotaque oriental, sofreu discriminação por uma grande
parte da Hollywood dominantemente branca, poucos reconheciam o seu enorme
potencial e talento ilimitado e na maioria das vezes barravam seus projetos e
iniciativas. Mas no final, ele se impôs com a ajuda de alguns amigos e profissionais,
atores, produtores, diretores e roteiristas que reconheciam o seu talento, como
Jay Sebring, James Coburn, Steve McQueen, Stirling Shilliphant e Fred
Weintraub.
Linda Lee Cadwell, decepcionou-se com a versão de seu ex-marido concedida por Tarantino. |
Linda Lee Cadwell
– De acordo com Shannon Lee, sua mãe lhe disse que achou a representação
“horrível”. E ainda disse: “Eu pensei que o personagem era como uma caricatura
de si mesmo, fazendo-se parecer estúpido, bobo e de uma forma insultuosa e
forçosamente ‘chinesa’. Isso se afastou tanto da verdade de quem ele era e de
qualquer disputa real que ele tivesse... Foi terrível de assistir.”
Linda e Bruce Lee, nos bons e maus tempos da ensolarada Califórnia, no final dos anos de 1960. |
Linda
que conhecia os princípios do Wing Chun Kung Fu e acompanhou a transição do Jun
Fan Gung Fu para o Jeet Kune Do, certamente achou ridícula a abordagem que deram
para luta entre Lee e o Both. Bruce Lee na realidade nunca atacaria um dublê
durão e experiente de uma forma tão displicente e ingênua. Mas como já
mencionei, Tarantino desconhecia Bruce Lee e o Jeet Kune Do, ele se baseou
apenas no que viu na TV, principalmente nas atuações de Lee como Kato em O
Besouro Verde (1967), o que estava longe do ele pregava para uma luta real.
Danny Inosanto, amigo e parceiro de Bruce Lee partiu em defesa de seu protetor contra a versão desonesta de Tarantino. |
Danny Inosanto
– O parceiro e amigo de Bruce Lee, agora com 83 anos, também rejeitou a ideia
de que Bruce Lee teria se gabado em algum momento do passado que poderia
derrotar o campeão dos pesos-pesados, Muhammad Ali. Pelo contrário, Inosanto
afirma que Bruce Lee era um grande admirador de Muhammad Ali. E lembra que ele
era companheiro, atencioso e humilde com os colaboradores em seus filmes.
Diz
Inosanto: “Bruce nunca teria dito nada depreciativo sobre Muhammad Ali porque
adorava o caminho que Muhammad Ali percorria. Na verdade, ele (Bruce) gostava
mais de boxe do que de artes marciais.”
Danny Inosanto ao lado de Bruce Lee, em 1972. O mestre das artes filipinas de combate está atualmente com 83 anos. |
Inosanto
recorda que Bruce reverenciava Ali e outros tantos pugilistas, e o viu muitas
vezes dizendo a seus alunos para buscar a agilidade e fluidez dos movimentos
dos pés de Ali.
Inosanto
não se lembra de ter presenciado Lee num set de trabalho se exaltando ou provocando
situações para se exibir.
E
complementa: “Ele nunca, foi, na minha opinião, arrogante. Talvez ele tivesse
confiança em si mesmo em se tratando de seu conhecimento de artes marciais. E ele
estava à frente de todos outros. Mas em um set ele nunca iria se mostrar, e é
muito duvidoso que um dublê tenha conseguido se dar bem contra ele daquela
forma.”
Bruce Lee e Danny Inosanto no set de O Jogo da Morte, em 1972. |
Inosanto
finaliza recordando que recebeu uma enxurrada de cartas de fãs de todo o mundo
após a morte de Lee e complementa: “Bruce Lee abriu o caminho para os
americanos de origem asiática. Entrar como um asiático (em Hollywood) foi
muito, muito difícil na época. Ele também abriu o caminho para todas as
estrelas de filmes de ação.
Inosanto
tem razão, se não fosse por Bruce Lee, quem haveria falar de Jackie Chan, Sammo
Hung, Jet Li, Donnie Yen, Tony Jaa, entre os asiáticos que "conquistaram"
Hollywood; sem esquecer dos então desconhecidos até o surgimento de Bruce Lee
como Jim Kelly, Bob Wall, Chuck Norris, Jean Claude Van Damme, Steven Seagal,
etc., que também pegaram carona na sua fama.
Kareen Abdul Jabbar, multi campeão dos Lakers, aluno de Bruce Lee interviu na polêmica: "Bruce Lee era meu amigo!" |
Kareen Abdul Jabbar
– O amigo e aluno de Bruce Lee, ex-jogador campeão do time de basquete Lakers,
hoje colunista da NBA, afirma que Tarantino foi desleixado, racista e se
esquivou da responsabilidade com a verdade ao retratar seu saudoso parceiro
daquela forma. Jabbar observa brilhantemente que, apesar do que está no filme
seja ficção, essas cenas viverão em nossa consciência cultural compartilhada
como impressões de pessoas reais, corrompendo assim a memória que temos delas,
cobrindo suas ações na vida real. Jabbar ressalta que é por isso que os cineastas
têm a responsabilidade de interpretar as impressões de pessoas históricas
admiradas para manter uma verdade básica sobre o conteúdo de seu personagem. O
retrato de Bruce Lee no filme, não corresponde a esse padrão. Kareen Abdul Jabbar se considera
decepcionado, já que Tarantino era um dos seus cineastas preferidos. Ele lembra
que: “Bruce Lee era meu amigo e professor. Eu conheci Bruce quando era
estudante na UCLA, e procurava continuar meus estudos de artes marciais que
comecei em Nova York. Nós rapidamente desenvolvemos uma amizade, bem como uma
relação aluno-professor. Ele me ensinou a disciplina e a espiritualidade das
artes marciais, o que foi muito responsável por eu poder jogar competitivamente
na NBA por 20 anos, com poucas lesões.”
Kareen Abdul Jabbar e Bruce Lee no set de O Jogo da Morte, em 1972. Aluno e professor, mas acima de tudo, bons amigos. |
Continua
Jabbar: “Durante nossos anos de amizade, ele falou apaixonadamente sobre como
estava frustrado com a representação
estereotipada dos asiáticos no cinema e na TV. Os únicos papéis
disponíveis eram para vilões. A atitude machista "a la John Wayne” tomada
por Cliff Both (Brad Pitt) derrotando o “arrogante chinês”, remete aos próprios
estereótipos que Bruce estava tentando desmantelar. E não haveria nada de mais
num loiro americano poder bater num canastrão asiático que voou para cá.”
Kareen Abdul Jabbar e Bruce Lee, no set de O Jogo da Morte, em 1972. |
Finaliza,
Jabbar: “Eu estive pessoalmente com Bruce em várias vezes quando algum idiota
aleatório o desafiava publicamente para uma briga. Ele sempre recusou
educadamente e seguiu em frente. A primeira regra nos ensinos de Bruce era não
lutar, a menos que não tivesse outra opção. Ele sabia que a luta real não
estava no tatame ou nos ringues, estava na tela ao criar oportunidade para os
asiáticos serem vistos além daqueles estereótipos sorridentes. Infelizmente,
Era uma Vez em Hollywood, prefere voltar
aos bons e velhos (mas obscuros) caminhos.”
Matthew Polly, escritor, também contestou a versão arrogante de Bruce Lee dada por Tarantino em seu último filme. |
Matthew Polly
– O autor do livro “Bruce Lee: A Life”, concordou com as críticas de Shannon
Lee. E ainda observou que Tarantino foi simpático para retratar o ator Steve
McQueen (aluno de Bruce Lee), o cabeleireiro Jay Sebring (outro aluno de Bruce
Lee) e a atriz Sharon Tate, mas não teve o mesmo cuidado e carinho com Bruce
Lee, o único não branco do filme. Polly disse
que Tarantino poderia ter causado o mesmo efeito sem aquela zombaria.
Livro de Matthew Polly, um dos muitos experts em Bruce Lee. |
Polly
afirma que Bruce Lee “venerou” Muhammad Ali. Assim, a parte no filme em que o
personagem de Lee diz que suas mãos
foram registradas como armas letais e que “ele” aleijaria o boxeador e o personagem de
Brad Pitt vem em defesa de Ali, não é apenas completamente imprecisa, mas
também transforma Bruce Lee num desabonador desrespeitoso e idiota. E ainda
observa que Bruce era famoso por ser muito atencioso com as pessoas abaixo dele em sets de
filmagem, particularmente os dublês. No
filme de Tarantino, Bruce Lee (Mike Moh) acaba por provocar a demissão do
dublê Cliff Both (Brad Pitt) porque ele,
o grande astro, foi ridicularizado. Isso não condiz como Bruce Lee era
realmente como pessoa.
Polly
lembra que ainda em 1967, durante a produção dos episódios da série o Besouro
Verde, Bruce vivia uma insegurança na vida profissional como ator e instrutor
de artes marciais. A série foi cancelada no mesmo ano em que o personagem Kato
fazia enorme sucesso e Bruce teria pensado em abrir uma rede de academias (Kato
Karate Schools) aproveitando a popularidade do seu personagem, mas desistiu por
achar que iria trair a filosofia do Jeet Kune Do. Com a série The Green Hornet
cancelada, ele “se virou” dando aulas particulares à celebridades cobrando alto
cachês e fazendo pontas em séries em séries de TV e filmes, como Marlowe
(1968). Alguns de seus famosos alunos eram James Coburn, Steve McQueen,
Stirling Shilliphant e Roman Polanski. Seus projetos pessoais como “The
Warrior” (Kung Fu) e “The Silent Flute” foram rejeitados por Hollywood. Em
1970, para piorar, ele sofreu a terrível lesão nas costas que teria deixado
qualquer atleta derrotado, mas ele era Bruce Lee e se recuperou em apenas 6
meses. Sua única opção então era voltar para Hong Kong e tentar a sorte nos
filmes de artes marciais, já que Kato ainda fazia sucesso por lá.
Bruce
realizando apenas 3 filmes, de 1971 a 1972, fez um sucesso estrondoso na Ásia
batendo todos os recordes de bilheteria e Hollywood rendeu-se finalmente ao seu
talento e coproduziu Operação Dragão (Enter the Dragon, 1973) , o resto é
história.
Brad Pitt, encarnou o fictício dublê decadente e quarentão que vence Bruce Lee. |
Brad Pitt
– Segundo consta em depoimento do ator, era para Bruce Lee ter perdido a luta
contra o dublê Cliff Both, na versão original de Tarantino. “O quê?!? Mas Bruce
Lee é o cara!”, exclamou Brad Pitt ao ler surpreso a versão surpreendente do
diretor. Mas ele (Pitt) e Mike Moh interviram e pediram para terminar em
empate, daquela forma que todos já sabem. Com Bruce Lee (Moh) sendo arremessado
ao carro como um menino pelo dublê veterano, que pouco se incomodou com suas
investidas mal sucedidas.
Mike Moh, representou uma caricatura arrogante e lamentável de seu próprio ídolo sob a direção do malicioso Tarantino. |
Mike Moh
– Após as críticas de Shannon Lee, o ator escolhido para encarnar Bruce Lee no
filme de Tarantino confessou ter se sentido num conflito quando leu o roteiro
da cena com Brad Pitt, onde originariamente Bruce Lee perderia a disputa com o
dublê veterano. Disse Moh: “Lee é meu herói. Bruce em minha mente era
literalmente um deus. Ele não era uma pessoa comum para mim, eu o via como um
super-herói. Eu acho que a maioria das pessoas o vê assim.”
Sobre
Tarantino e sua visão de Bruce Lee, disse Moh: “É um filme de Tarantino. Ele
não vai fazer o que todos esperam que se faça. Você tem que estar preparado
para o inesperado. Soube desde o início que Tarantino ama Bruce Lee (será?!?);
ele o reverencia (forma estranha de reverência essa...).
E
continua: “Eu posso ver como as pessoas podem pensar que Bruce foi vencido por
causa do impacto com o carro, mas se lhe dessem mais cinco segundos “Bruce”
teria vencido. Então, eu sei que as pessoas vão ficar em pé de guerra sobre
isso, mas quando eu mergulhei fundo no estudo de Bruce, percebi que ele mais
que ninguém queria que as pessoas soubessem que ele é humano. E acho que o
respeito ainda mais sabendo que ele enfrentava esses desafios, esses
obstáculos, assim como a maioria das pessoas do mundo. Eu não conheço nenhum
ator estrangeiro que não tenha o senso de almejar algo mais e alcançar a
grandeza.”
Ponderando,
Mike Moh frisou apenas o resultado da luta. Mas não entrou nos detalhes da
personalidade caricatural e arrogante que ele deu à Bruce Lee nas telas, sob a
direção do famigerado Tarantino.
Quentin Tarantino - Tarantino manteve sua posição mesmo após as inúmeras críticas em relação à retratação depreciativa que deu a Bruce Lee em seu filme. Afirmando inclusive que se baseou em depoimentos da própria Linda Lee Cadwell que afirmava que seu ex-marido era realmente arrogante e provocador. A resposta à Tarantino já foi dada. Vejam alguns exemplos da reação dos fãs de Bruce nas redes sociais...
Shut up, Tarantino!!! |
Um tipo diferente de serpente... |
Comentários finais
- Bem, depois de toda essa polêmica, concluí que o diretor Quentin Tarantino
nunca foi realmente fã de Bruce Lee pelo simples fato de desconhecer a
personalidade e o caráter do Pequeno Dragão e ignorar totalmente a filosofia e
conceito do seu estilo de luta ou Jeet Kune Do. Tarantino deveria estar
realmente querendo arranhar a imagem de Bruce Lee e desconstruir o mito, talvez
por recomendação da cúpula política de Hollywood; e isso se torna evidente, só
pelo fato dele não ter consultado a família Lee antes de retratar o rei das
artes marciais de uma forma tão desonesta como fez em seu filme. Seria, por
parte dele, uma atitude digna, consultar Linda Lee Cadwell e Shannon Lee.
Tarantino antes de cometer a gafe histórica, deveria ter consultado os maiores experts em Jeet Kune Do e Bruce Lee ainda vivos: Danny Inosanto e Taky Kimura. |
Caso
o polêmico diretor tivesse ao menos consultado os principais alunos de Bruce
Lee, agora veteranos e respeitados octogenários, como Danny Inosanto ou Taky
Kimura para orientá-lo na direção da luta fictícia com o dublê, poderia ter
tido outra aceitação no resultado final. Mas ele não quis saber, ousou e se deu
mal! Por isso, todos os fãs de Bruce Lee por todo o planeta clamam em uma só
voz: Cale-se Tarantino!!! Shut up, Tarantino!!!
O legado de Bruce Lee permanece inalterado e cada vez mais forte entre os verdadeiros fãs e admiradores do Pequeno Dragão! |
Por
Eumário J. Teixeira.