Para concluir a série “Bruce Lee e sua Rotina Diária de
Treinamento”, vou tentar descrever aqui o que ele pensava sobre a importância
da luta real ou sparring. Bruce Lee defendia com veemência o preparo físico, a
força muscular e era famoso por suas proezas físicas, nas demonstrações de
quebramentos, flexões com apenas um dedo, poder nos golpes, etc. E embora
muitos praticantes de artes marciais, antes ou depois da era Bruce Lee,
tivessem conseguido equipara-lo ou até mesmo superá-lo nessas exibições de
força física ou muscular, ele sempre dizia: “Lembrem-se, só porque você
consegue sair-se muito bem num treino suplementar, não ponha na cabeça que você
é um expert. Lembre-se bem que qualquer espécie de treino é somente um meio em
direção a uma meta posterior; sparring é o objetivo final, todo treinamento
anterior é apenas um meio em direção a ele”.
O "segredo" é fazer da sua arte uma forma livre, viva e contínua de auto-expressão |
Bruce afirmava que cada indivíduo deveria ter seu treino
técnico individualizado, ou seja, conforme suas aptidões naturais. O praticante
deveria procurar se aprimorar nas técnicas com as quais mais naturalmente se
adaptasse. Ele defendia a idéia que o
lutador só alcançaria um nível satisfatório para a defesa pessoal, se pudesse
encontrar sua habilidade natural em
determinadas técnicas, aproximando-se assim de sua própria realidade e
personalidade numa forma autêntica de auto-expressão.
No final da década de 1960 e início dos anos de 1970, Bruce
Lee disseminava suas idéias revolucionárias sobre sparring, inspirado no que
absorvia do boxe, wrestling, jiu-jitsu, judô e rotinas de outras disciplinas
marciais que visavam o contato direto ou corpo-a-corpo. Assim, o estilo livre
de sparring com equipamento protetor era prioridade para Bruce Lee, que declarava:
“Não há nada melhor do que estilo livre de sparring na prática de qualquer arte
combativa. Em sparring, vista proteção adequada e vá em frente com tudo. Então
você poderá aprender verdadeiramente o “timing” correto e distância apropriada
para desferir chutes e socos.”
O conceito, treinamento e técnicas do boxe ocidental influenciaram definitivamente a Bruce Lee na concepção do Jeet Kune Do |
“É uma boa idéia treinar com toda a espécie de indivíduos:
altos, baixos, rápidos, desajeitados...sim, as vezes companheiros desajeitados
podem surpreender um lutador mais capacitado, porque a aparente inaptidão deles
funciona como uma espécie de ‘quebra de
ritmo’. Embora o melhor parceiro de sparring é o lutador louco que vem
atropelando, arranhando, agarrando, socando, chutando, etc.” - Bruce lee
Bruce Lee assimilou em seu "sistema de luta" os principais golpes do boxe ocidental, como o gancho e o direto |
“Para mim, totalidade é muito importante em sparring. Muitos
estilos clamam que podem competir com todos os tipos de escolas marciais que
suas estruturas cobrem toda espécie de ataque e também podem revidar em todas
as linhas e ângulos possíveis. Se isso fosse verdade, então de onde vêm todos
esses diferentes estilos? Ainda, se estão em totalidade, por que alguns usam
somente linhas retas, outros linhas circulares, outros apenas chutes e outros ainda
querem ser diferentes apenas nos movimentos de mãos?” - Bruce Lee
Bruce Lee interceptando a investida do adversário com o seu famoso chute lateral direto |
“Um sistema que adere a apenas um determinado
aspecto de combate está delimitado e restringido. Um artista marcial que se
exercita, exclusivamente numa forma fixa de combate está perdendo sua
liberdade, está em realidade se tornando escravo de um sistema escolhido e acha
esse sistema é a realidade. Isso leva ao engano, porque o modo de combate nunca
é baseado em escolha pessoal ou em fantasias. Ao contrário, muda constantemente
de momento a momento e o então desapontado lutador logo descobre que sua
‘escolhida rotina’ carece de
maleabilidade.” - Bruce Lee
Bruce aplicando o chute lateral circular com o peito do pé no rosto do adversário |
“Deve haver um ‘ser’ em vez de um ‘fazer’, em treinamento. O
indivíduo precisa ser livre. Em vez de complexidades de forma, deve haver
simplicidade de expressão. O indivíduo deve estar ‘vivo’ em sparring,
desferindo socos e chutes de todos os ângulos e não sendo um mero robô
cooperativo. Como a água, deve ser ‘sem forma’ e tomar a forma necessária no
momento certo, mudando-a de acordo com a circunstância. Coloque a água numa
xícara, ela se moldará à xícara. Tente socá-la ou chutá-la e ela se torna
elástica. Agarre-a e ela cederá imediatamente. De fato, escapará conforme for
sendo aplicada pressão sobre ela. A verdade é que o ‘nada’ não pode ser
confinado e que a substância mais suave não pode ser quebrada!” - Bruce Lee
Bruce Lee interceptando o adversário com um chute frontal no peito |
Bruce Lee contra-golpeando com um chute lateral circular nas costelas do adversário |
“Ser eficiente no
sparring ou na luta real não depende de uma forma correta, clássica ou
tradicional. Eficiência é tudo que é positivo e funcione. Praticar formas
fantasiosas e adotar posições clássicas, avançar sob uma norma fixa aprendida
por repetição substituindo a liberdade do sparring é como tentar armazenar água
num saco de papel. Para algo que é estático, fixo, morto, pode haver um caminho
ou percurso definitivo, mas não para algo que está em constante movimento e bem
vivo.” - Bruce Lee
Bruce Lee, à curta distância, desferindo um chute circular (de fora para dentro) com a parte lateral interna do pé na cabeça do adversário |
Bruce Lee, à média distância, desferindo um chute circular (de dentro para fora) com a faca do pé na cabeça do adversário |
“Na luta real não pode haver percurso exato, pré-definido ou
um método inflexível. Mas, em vez disso, um estado de alerta e prontidão, uma
condição de estar ciente sem pré-escolha, de um jeito perceptível e maleável.
Sparring vive de momento a momento e muda de momento a momento. A idéia do
‘duro’ versus ‘suave’ e do ‘externo’ versus ‘interno’ deixa de ser importante.
O yin e o yang são, em verdade duas metades de um todo. Cada metade é
igualmente importante e cada uma é interdependente da outra. Se há uma rejeição
de uma ou outra, pender-se-á num extremo. Os que aderem ao extremo são
conhecidos como fisicamente limitados ou intelectualmente limitados. Mas os
primeiros são mais toleráveis, pelo menos em combate eles se esforçam.” - Bruce Lee
Bruce Lee usando técnicas de wrestling num treinamento |
Da parte de um depoimento de Linda Lee, esposa de Bruce Lee,
extraído do livro, Bruce Lee: The Man Only I Knew: "No seu tempo, o estilo das
artes marciais de Bruce evoluíram tanto que ele teve que dar um nome próprio
para seu estilo – Jeet Kune Do. Ele explicou que ‘jeet’ significa ‘parar ou
interceptar’; ‘kune’, punho e ‘do’, ‘caminho ou a última realidade’. Bruce
explicou: ‘É a direta expressão dos sentimentos de alguém. Com o mínimo de
movimentos e energia. Não há mistério. Meus movimentos são simples, diretos e
não clássicos.’ Não havia jogos de regras ou formas clássicas no Jeet Kune Do
porque eles costumam ser rítmicos. Quando Bruce fazia ‘sparring’ usava ‘ritmos
quebrados’, acrescentando: ‘Formas clássicas são tentativas fúteis para
aprisionar e fixar os movimentos sempre mutantes em combate e analisá-los e
dissecá-los como um cadáver. Mas quando você está em combate real, você não
está lutando com um cadáver. Seu adversário é um objeto vivo e em movimento,
que não está numa posição fixa, mas fluído e vivo.'
'Trate-o realisticamente. Não
como se você fosse um robô em luta.’ De suas próprias observações, ele há muito
tempo verificou que a maioria das formas de Kung Fu, Karatê, Taekwondo e outras
artes marciais eram baseadas em estilos, que são basicamente incompletos. Cada
um tinha suas próprias formas, movimentos e assim por diante e cada praticante
ia para a luta acreditando que ele tinha todas as respostas. Por essa razão
Bruce recusou chamar ‘Jeet Kune Do’ de ‘estilo’, porque ele sentia que iria
limitá-lo. Como resultado, JKD não possuía regras, formas, nem um conjunto de
movimentos e técnicas com os quais pudesse opor-se à outras técnicas. Sua
própria essência era auto-expressão, que por sua vez demandava grande
auto-conhecimento. Não era, por isso, um modo de luta que podia ser facilmente
ensinado. Muitas dessas constatações surgiram de sua leitura e subsequente
compreensão de forças da natureza, enquanto outras foram produto de suas
próprias experiências."
Bruce Lee costumava dizer: “Nenhuma natação simulada em
terra os preparará para a água. O melhor exercício para a natação é nadar. O
melhor exercício para o Jeet Kune Do é a luta real”.
Bruce Lee incentivava seus alunos treinar sparring com material de proteção adequado, para assim exercerem o pleno contato em total liberdade |
Dan Inosanto, um dos primeiros parceiros de Bruce Lee,
descreveu assim a prática de JKD: “Os alunos de Bruce praticavam uma espécie de
luta de rua, agressiva mas polida. Usavam equipamento de sparring e
desferiam-se mutuamente golpes parecidos
com o boxe (ocidental) e com a luta-livre (wrestling) e às vezes até com
o boxe tailandês. Praticavam com luvas de 12 ou 16 onças e eram encorajados a
bater e a chutar abaixo da cintura, especialmente nas canelas, joelhos e
testículos.”
Bruce Lee aplicando um chute lateral circular em Bolo Yeung (Yang Sze) |
Para finalizar, mais algumas citações de Bruce Lee sobre a
filosofia do JKD, que ele mesmo gostava de considerar como ‘Método Científico
de Briga de Rua’: “Ao fazer uma estátua o escultor não adiciona massa ao seu
trabalho. Na verdade, ele retira todo o desnecessário até que se revele a
verdade, sem obstruções. Assim, ao contrário do ensinamento dos estilos
organizados, ser bom em Jeet Kune Do não significa adicionar mais. Significa
minimizar. Em outras palavras, excluir o desnecessário. Não é um acréscimo
diário e sim um decréscimo diário.”
Bruce Lee "brincando" com Bob Wall no intervalo das filmagens de Enter the Dragon (Operação Dragão - 1973) |
“A arte é a expressão real do ser. Quanto mais complexo e
restrito for o método, menos oportunidades haverão para a expressão do sentido
original de liberdade. Lembrem-se, estão expressando as técnicas e não fazendo
as técnicas. Se alguém os atacar, sua
reação não é a técnica nº 1, posição nº 2, seção 4, parágrafo 5. Ao invés
disso, mova-se simplesmente – como o som e o eco – sem qualquer deliberação.” - Bruce Lee
Aqui encerro a série sobre o Treinamento Diário de Bruce Lee; quero agradecer a todos que responderam positivamente ao meu trabalho, deixando claro que minha intenção desde o princípio foi o de informar e agregar conhecimento sobre o Pequeno Dragão. A todos os que postaram comentários ou somente acessaram aos posts, meu sincero agradecimento e continuem participando. Muito Obrigado mesmo!
Parabens amigo...essa sua serie de ensinamentos sobre os treinos do pequeno dragao me ajudou muito em meus treinos, hoje aplico alguns dos treinos do Bruce com meus alunos e eles adoraram....fica aqui meu pedido d euma serie sobre seu famoso SOCO DE UMA POLEGADA.....abçs sucesso....
ResponderExcluirSucesso para você também, Renato. Fico contente por ter ajudado em alguma coisa com as postagens. Espero que continue visitando o blog. Vou considerar o seu pedido. Até mais!
ExcluirParabéns pelo blog! Sempre dou uma "passadinha" por aqui.
ResponderExcluirMuito obrigado!
ExcluirParabéns pelo Blog, ótimo trabalho, RIP Little Dragon!!
ResponderExcluirObrigado. Não deixe de conferir e comentar as outras postagens!
Excluirmuito bom,,voce é um grande pesquisador desse genio das artes marciais, gostei da materia, espero postagens futuras suas, e eu pensando que ja tinha pesquisado e visto de tudo sobre o Bruce,, muito obrigado
ResponderExcluirEu já acompanho sobre Bruce Lee e pesquiso sobre ele há mais ou menos 40 anos. Era um garoto quando adquiri o primeiro número da revista Kung Fu (da extinta EBAL) que tinha a resenha do filme Operação Dragão (de 1973). Aí não parei mais. Obrigado pelo incentivo, Ricardo.
ExcluirParabéns pelos posts!!! Excelentes!!!
ResponderExcluirParabéns pelos posts!!! Excelentes!!!
ResponderExcluirMuito obrigado Breno. É bom saber que minhas postagens estão agradando. Vou tentar não decepcioná-lo. Continue participando.
ExcluirEu não sei se é possível mas faz uma matéria sobre o treinamento do jackie chan.
ResponderExcluirQuem sabe, Fuhrer?!? Sei que Jakckie teve sua formação física inicial na escola tradicional da Ópera de Pequim como acrobata, depois passou a trabalhar com dublê em filmes em Hong Kong. Mas tenho que pesquisar. Mas é certo que ele nunca foi um praticante de artes marciais ortodoxo com Jet Li, por exemplo.
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