Bruce Lee

Bruce Lee
The Game of Death - JKD

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

O "JEET KUNE DO" DE BRUCE LEE MORREU COM ELE?


Para o início de conversa, questiono se o Jeet Kune Do está ao alcance de qualquer um que se interessasse a aprender esse método, caminho, conceito, via ou sistema concebido por Bruce Lee...

Bruce Lee treinando com Daniel Lee no Instituto Jun Fan
de Gung Fu de Los Angeles.


Ainda que, particularmente, creio que a maioria do Jeet Kune Do que ensinam por aí não é o mesmo que era desenvolvido por Bruce Lee, e não é de hoje. Mas é o “Jeet Kune Do” acessível à todos em boa parte do mundo numa rede integrada de academias e reforçada por uma série de conferências, fóruns, demonstrações e eventos diversos, além de livros (não autorizados pelo fundador), dvds e afins que fizeram desse JKD, dos nossos dias, mais um dos inúmeros produtos de consumo oferecidos pela “loja” universal das artes marciais. Aliás, isso é tudo o que Bruce Lee repudiava e temia que acontecesse com o seu “método” e filosofia que denominou “O Caminho do Punho Interceptador”.

De Jun Fan Gung Fu para a concepção do Jeet Kune Do...

Bruce Lee recusou a abertura de uma rede de academias “Kato” de Kung Fu nos EUA por volta de 1967, negando-se aproveitar da recente onda de sucesso de seu personagem na série de TV, O Besouro Verde (The Green Hornet), porque simplesmente não queria comercializar sua visão revolucionária.  Lembrando que Bruce Lee detestava o personagem Kato e sua própria atuação na série, e temia que sua arte fosse banalizada. Nesta época, Bruce já estava em busca de sua própria visão para o caminho das artes marciais e o Jun Fan Gung Fu já estava em formação, tornando-se “Jeet Kune Do” ou o “Caminho do Punho Interceptador” pouco depois.

Bruce Lee se recusou a abrir uma rede de academias de Kung Fu
assim como não aprovou em vida nenhum livro sobre Jeet Kune Do.

Bruce Lee impediu a publicação e temeu que a série de livros finalizada em 1966 (ano da estreia de O Besouro Verde) denominada “Bruce Lee’s Fighting Method” fossem usados inapropriadamente por leigos e outros artistas marciais. Mas esses livros foram editados e publicados anos após sua morte pelo editor Mitoshi Uyehara, que ousadamente ainda assinou como co-autor, contando com autorização da viúva Linda Lee. Bruce deve ter tremido no túmulo...

Lembrando que o livro “The Tao of Jeet Kune Do”, lançado dois anos após a morte de Lee, não passa de uma coletânea de inúmeras anotações e esboços de suas ideias, conceitos, pensamentos filosóficos e visão prática sobre a aplicação de diversas técnicas das artes marciais que estavam engavetadas. Essas anotações foram reunidas por sua esposa e organizadas pelo discípulo veterano, Dan Inosanto, para o lançamento póstumo do livro que o próprio Bruce Lee não conheceu. Mas essa “obra” nunca poderia ser considerada um tratado definitivo ou finalizado de Jeet Kune Do e, pior, Bruce Lee provavelmente não aprovaria esta publicação. 

Mas como Linda (Lee) Emery (viúva de Lee) juntamente com a filha do casal, Shannon Lee, resolveram explorar, com todo o direito, a marca “Bruce Lee” para a venda de diversos produtos de vestuário a material esportivo, livros seriam apenas mais um item a ser consumido.

Mas como assim? Esse JKD atual não é o mesmo do final da década de 1960 que ensinado por Bruce Lee? E todos esses “mestres” que conviveram e treinaram com ele e mantiveram o seu legado por tantas décadas? Entendo que a segunda metade da década de 1960 pode ser considerada a “época de ouro do JKD”, foi a época das descobertas e das novas experiências. Quem frequentou qualquer um dos “institutos”, seja em Seattle, Oakland ou Los Angeles sabe muito bem disso. Foi a era em que Bruce Lee ainda supervisionava pessoalmente o ensino e eu mesmo fico imaginando como seria ter participado de tudo isso. Eles pegavam muito duro e realmente se empenhavam no calor dos treinamentos e todos eles têm seus próprios méritos. Bruce Lee quando aparecia com uma novidade a punha em prática de imediato para o deleite dos seus aprendizes. Ainda assim, entendo que o Jeet Kune Do que estava em desenvolvimento no final da década de 1960 e que Bruce Lee ensinava de forma restrita à alguns escolhidos, era um JKD próprio e pessoal, concebido por ele, para ele e talvez para alguém que, como ele, tivesse aquelas incríveis habilidades naturais, mas não me lembro de alguém tão especial ter surgido até hoje.

Inicialmente com o Wing Chun em Seattle...

Passando pela formação do Jun Fan Gung Fu em Oakland...

E definindo o conceito de Jeet Kune Do em Los Angeles.

É de certa forma deselegante dizer, mas todos aqueles alunos desta fase importante e embrionária se tornaram, de certa forma, cobaias para que Bruce Lee desenvolvesse o seu JKD, que ele próprio concebeu e procurou desenvolver moldando-o à suas características mentais e físicas, adaptando-o à sua estrutura óssea e muscular, estatura, peso, alcance de seus braços e pernas, etc. Penso que a maioria de seus alunos tinham consciência disso, principalmente os veteranos que se destacaram de uma forma ou de outra, durante todos esses anos após sua morte, pioneiros daquelas academias de Seattle, Oakland e Los Angeles. Eles só queriam aprender e, se possível, evoluir como e com o jovem mestre.

Lembrando também que boa parte dos alunos maduros de Bruce Lee, alguns bem mais velhos que ele, tinha alguma bagagem e experiência em combate, tendo praticado e competido em algum momento no wrestling, judô, boxe ocidental, karatê, etc., o que agregava no aprendizado geral e individual de cada um, inclusive do próprio Bruce Lee.

Os alunos pioneiros e já veteranos, tentando manter o ensino original...

Personagens que vivenciaram o desenvolvimento do Jeet Kune Do
de Bruce Lee e acolheram a responsabilidade de representar o falecido mestre.

Havia aquela estrutura básica ou espinha dorsal de ensino no JKD que estava disponível à todos os iniciantes ávidos por um novo caminho. Mas, a partir de certo momento na caminhada, as habilidades naturais de cada indivíduo o fariam ter consciência de suas próprias limitações, levando-o a parar por aí ou então encorajá-lo a buscar metas mais ambiciosas na busca do “santo graal” do verdadeiro lutador.

O espírito de guerreiro desperta o desejo de superação e a necessidade de evolução, sendo este muito importante e definitivo para se distinguir o simples praticante sem perspectivas do artista marcial nato.

Bruce Lee era incansável na sua busca como artista marcial..
.

Ele não subestimava o condicionamento e aprimoramento de suas armas naturais...

Equipamentos de treino para ele eram essenciais no complemento de sua preparação.

O segredo nesta busca é reconhecer sua real capacidade de realização. Se você tem consciência de suas limitações físicas, pois qualquer ser humano ainda que se esforce, tem o seu limite, você poderá trabalhar em cima do que conquistou e procurar aperfeiçoar as técnicas que domina ao ponto de torná-las automáticas e naturais para você. Como Bruce Lee dizia, não se tratava de acúmulo, mas da utilização do que é apenas útil e efetivo, buscando o aprimoramento do que foi assimilado. Mas é claro que o que era útil para ele, que disponha de condições físicas privilegiadas, não poderia ser útil e seguro para outro qualquer.

Todas as formas possíveis de treinamento eram experimentadas...

Nenhuma parte do corpo era negligenciada...

O condicionamento  físico aeróbico como os exercícios de flexibilidade
eram tratados com a mesma importância.


O condicionamento do abdômen era uma obsessão para Bruce Lee.

A meu ver, o grande erro de quem busca, é querer se comparar, imitar ou almejar conquistar as habilidades notórias de Bruce Lee. Ele era único e, além de suas habilidades naturais e espírito inovador, ele trabalhou muito duro para desenvolver toda aquela dinâmica, rapidez e poder.

Não me lembro de ter visto ou sabido que algum de seus antigos alunos, mesmo da escola pioneira de JKD, demonstrarem semelhante rapidez ou poder e outros tantos recursos, com a mesma autoridade demonstrada por Bruce Lee ao longo de sua meteórica e produtiva carreira como artista marcial. Habilidades tais que Bruce Lee dispunha e que foram devidamente atestadas por tantos faixas pretas e lutadores profissionais dos mais variados estilos de combate dos anos 1960/70.

Profissionais do Full Contact e do Karate comprovaram a real capacidade letal
de Bruce Lee como Lutador, como Joe Lewis, Bob Wall, 
Chuck Norris e Jim Kelly.


Mestres de outros estilos que transmitiram e receberam conhecimento
mútuo com Bruce Lee: Jhoon Rhee, Ji Han Jae, Gene Lebell
e Hayward Nishioka.

Mas, é claro, isso não quer dizer que eles não tinham suas habilidades específicas ou individuais. Considerando que o JKD originariamente foi desenvolvido unicamente para a defesa pessoal, e qualquer um destes alunos de Bruce Lee ou boa parte destes veteranos do JKD teriam capacidade de se sair bem numa situação adversa de perigo real.

O Jeet Kune Do não foi concebido para competições como o Full
Contact, Kick Boxing ou MMA. Esse sistema foi criado para
a defesa pessoal em briga de rua.


Isso dever responder a pergunta que não quer calar: Por que alunos atuais de JKD não competem (entre si ou no vale tudo e MMA) para provar a eficiência do estilo? A resposta então é essa: porque o verdadeiro JKD foi concebido, na sua origem, para a defesa pessoal e ou briga de rua sem regras. Mas não é desculpa para que os alunos contemporâneos deste “sistema” negligenciem a sua condição física, técnica ou mesmo o condicionamentos de suas ferramentas naturais. Mesmo porque eles devem se apresentar e representar, de forma digna, o criador e o seu sistema concebido da melhor forma possível.

Bruce em demonstração no Campeonato Internacional de
Karate de Long Beach, em 1967.

Com protetores de rosto, tronco e canelas poder-se-ia
se expressar numa luta com mais liberdade...

Chutes altos numa luta real, por que não?!? Desde
que você tenha condições e  capacidade para utilizá-los com segurança.

Mas em se tratando de enfrentar lutadores profissionais, preparados tanto tecnicamente como fisicamente, independentemente de serem clássicos ou não ortodoxos, não enxergaria outro além de Bruce Lee com capacidade para enfrentá-los e até mesmo superá-los. Dentre todos esses alunos notórios e saudosos, pois a maioria já faleceu e os remanescentes já são idosos, nenhum deles chegou à condição atlética de Bruce Lee, mesmo quando jovens e no auge de sua forma física.

Mas se o lutador de Jeet Kune Do não pode competir por não se sujeitar às regras ou limitações que o impedem de se expressar com liberdade, isso não impede que lutadores profissionais sujeitos às mesmas regras não possam se utilizar de técnicas ou conceitos do JKD com êxito nestas competições, como já presenciamos inúmeras vezes.

Exercícios com pesos não eram desprezados, mas nunca
para ganhar massa muscular exagerada, o que atrapalharia a
velocidade dos golpes.


Exercícios anaeróbicos intensos para fortalecer a musculatura
e desenvolver poder...

Braços, antebraços, mãos, dedos, nada era negligenciado...

Bruce Lee tinha preparação  física de um atleta olímpico ou muito mais...

Penso que treinar JKD atualmente, na maioria das escolas ditas “habilitadas”, não possibilitaria a alguém chegar próximo ao que Bruce Lee conquistou. Antes de tudo, é bom reconhecer que o JKD foi desenvolvido por Bruce Lee como um método de auto expressão, tudo aquilo era ele na sua essência, no seu modo de ver e sentir as próprias vitórias e derrotas; e isso não poderia ser transferido à terceiros, naturalmente. A figura do mestre inicialmente seria modelo a ser seguido, o norte para o aprendiz, a meta a ser alcançada, mas como disse Bruce Lee em Operação Dragão (Enter the Dragon): “Não se concentre apenas no dedo (que aponta para a lua) ou você perderá toda a glória celestial”.

Entretanto, posso aceitar que cada um tem o seu caminho, ou o seu “Jeet Kune Do”, não importa se chegar aquém ou além das realizações de Bruce Lee, tudo não passa de uma luta interna e pessoal.

Os intensos anos de preparação física estudada e específica
lhe conceberam um físico até hoje invejado por atletas de várias 
modalidades, além dos lutadores de artes marciais.


A estrutura física de Bruce Lee, mesmo hoje em dia, ainda é objeto
de estudo e uma meta para muitos esportistas.

Mas Bruce Lee era conhecido por garantir o que dizia e, se precisasse, demonstrava na prática o que seria capaz, caso algum desavisado duvidasse. Sua condição física e técnica era quase anormal e, portanto, fruto de um trabalho muito sério e de muitos sacrifícios. Sua condição como atleta, artista marcial e lutador não era um “faz de conta”, era real e impunha muito respeito. E não se deve confundir o ator e performance de filmes de Kung Fu com o lutador real e artista marcial, que ele realmente era.

Lembre-se disso quando se ingressar numa escola contemporânea de JKD, tenha consciência de quem você é, do que busca e seja, sobretudo, honesto consigo mesmo. E se pergunte: você está ali para se divertir, se socializar e passar o tempo, se exercitar, aprender defesa pessoal ou quer realmente se tornar um artista marcial de expressão? Você tem consciência de sua real capacidade? E o seu “mestre de JKD”, parece realmente seguro e capaz de realizar o que prega e te guiar nesta jornada?

O Jeet Kune Do não é uma arte exata e acabada, esse conceito ou sistema está em constante mutação e nenhum estilo deve ser considerado a verdade definitiva para o caminho do artista marcial, pois o ser humano vive em constante adaptação já que o mundo não para e o que vale para hoje, pode não servir para o amanhã...

O Jeet Kune Do não é um fim em si mesmo, é um
conceito que nos leva à uma constante mutação e adaptabilidade
para a situação de momento. Como na vida, não se pode acomodar no JKD.

Mas não se iluda, Bruce Lee em vida era uma fonte que jorrava conhecimento abundante e inovações perpétuas; com a sua morte (em 1973), ouso afirmar que o “Jeet Kune Do de Bruce Lee” morreu com ele e jamais teremos outro igual! Mas existe um Jeet Kune Do sendo ensinado mundo afora, mas não é o mesmo que seria com Bruce Lee, com certeza. É o que eu penso. O que vocês acham?    

Por Eumário J. Teixeira.