O final da década de
1960 foi difícil para Bruce Lee e sua família. Estavam com muitas dívidas,
inclusive com a hipoteca de sua primeira casa que não conseguiam pagar. Apesar
do sucesso da série de TV “The Green Hornet” (O Besouro Verde – 1966-67), de
sua bela participação no seriado Ironside (1967) e de sua explosiva exibição no
filme Marlowe (com James Garner, 1969), Hollywood não oferecia papéis de
protagonista a Bruce Lee. E infelizmente, seus ganhos com as aulas particulares
de Jeet Kune Do à atores renomados, não eram suficientes para cobrir suas
despesas. Mas se não estava bom, o pior ainda estava por vir. Bruce percebia
que era discriminado por Hollywood por ser de origem asiática e isto sinalizava
de algum modo que, apesar de reconhecerem seu talento, não estavam dispostos a
acolher uma estrela de traços orientais, ainda que um cidadão americano, no seu
seleto elenco de celebridades.
Bruce Lee em Marlowe (1969), poucos meses antes da lesão nas costas |
Nesta fase da vida,
Bruce Lee cogitou seriamente em abrir uma rede de escolas de artes marciais,
mas de qualquer forma precisaria de capital para investir nesse projeto
audacioso.
Porém, no dia 13 de
agosto de 1970 (para os supersticiosos, dia e mês de azar), precisamente numa quinta-feira,
por volta das 10:30 da manhã, Bruce seguia sua rotina diária de treinamentos em
sua casa. Quando resolve se exercitar com pesos, ele toma uma barra longa para
realizar um procedimento específico chamado de “good morning”. Com as pernas
levemente dobradas e a coluna esticada, ele se dobra à frente com a barra
segura por trás do pescoço até ficar paralelo ao chão para então retornar à
posição inicial. Por um descuido não habitual naquele dia, Bruce não teria
feito um aquecimento preliminar para se exercitar com a barra ou não o teria
feito corretamente. De repente ele sente uma forte estalo em sua parte inferior
das costas, seu quarto nervo sacral teria sido seriamente lesionado com o esforço.
Ele deixa a barra cair e dobra os joelhos vencido pela dor.
Bruce Lee e a barra com pesos similar a que lhe causou o terrível acidente que o imobilizou |
O exercício com barra conhecido como "good morning" ou "bom dia" que lesionou Lee |
Versão para os quadrinhos do dia 13 de agosto de 1970, quando da lesão de Bruce Lee |
O que aconteceu em
seguida e que é mais aceito pelos que buscam a verdade sobre o acidente, é que
Bruce tentou remediar sua lesão com tratamentos térmicos e massagens por vários
dias, mas como o incômodo era crescente e não passava, resolveu procurar um
médico especialista. Nos próximos 6 meses ele pára com os treinos, passa a se
movimentar com cuidado e leva a maior parte do seu tempo em repouso ou às vezes
sentado na sala onde ostentava sua vasta biblioteca.
Versão para os quadrinhos sobre a convalescença de Bruce Lee no leito e sua reavaliação sobre as artes marciais |
Nas versões
românticas para as telonas, depois do acidente, ele teria sido confinado à
imobilização total por alguns meses numa cama especialmente desenhada para ele.
A imobilização favoreceria a recuperação do nervo lesionado levando-o ao
estágio seguinte, a cadeira de rodas. Mas não foi bem assim.
Entretanto, tanto na
fantasia quanto na realidade, após vários exames chegou-se à conclusão de que
ele nunca mais poderia andar corretamente e que deveria descartar
definitivamente a possibilidade de praticar certos movimentos característicos
das artes marciais, ou seja, nada de
chutes ou saltos mirabolantes.
Imaginem o que passou
pela mente de Lee quando ouviu esse terrível diagnóstico. Um jovem de 30 anos
em plena forma física, cheio de projetos para sua vida e de repente o mundo
desaba sobre ele.
Mas Bruce Lee tinha muita
determinação e uma força mental incrível e, aceitando a necessidade do “repouso
temporário” na prática das artes marciais, voltou sua energia para dar
prosseguimento ao desenvolvimento de suas idéias à respeito da praticidade das
artes de combate e a buscar o caminho que o levasse a se tornar um lutador mais
eficiente, livre das ilusões sistemáticas.
Versão dos quadrinhos sobre a incrível recuperação de Bruce Lee |
É bom lembrar que
Bruce Lee já estava desenvolvendo conceitos inovadores para a arte do combate
muito antes desse acidente com a barra. Desde o confronto com Wong Jack Man em
1964, ele já estava reavaliando seu ponto de vista sobre a eficiência do Wing
Chun, considerando também os pontos positivos do boxe, wrestler, judô, savate, esgrima
ocidental, etc. O processo natural foi que ele saltaria do Wing Chun para o Jun
Fan Gung Fu e finalmente para o Jeet Kune Do.
Ele também recorreu à
sua rica biblioteca que continha além de livros sobre as mais diversas artes
marciais orientais e ocidentais, obras variadas de filosofia, psicologia,
auto-ajuda e livros de cunho motivacional. Isso seria sua sustentação naquele
momento crítico de sua vida, pois já que seu corpo estava momentaneamente inoperante,
ele teria que manter sua mente e intelecto afiados. Assim, Lee recorreu à
diversos autores como Buda, Alan Watts, Carl Rogers, Lao-Tse, Frederick Perls,
Daisetz Suzuki e Jiddu Krishnamurti.
Bruce Lee em sua incrível biblioteca particular com mais de 2.500 títulos |
Uma da frase motivacional
que ele se apegou na época, foi “Walk On!” (siga em frente). Bruce Lee escreveu
essa frase em diversos cartões e os espalhou por todos os cômodos da casa para
que não se esquecesse de sua finalidade, que era de persistir até conseguir sua
total recuperação. Aos poucos, graças ao trabalho de fisioterapia, passa a
andar com mais confiança e a praticar exercícios de alongamentos e yoga com
regularidade até conseguir soltar socos e chutes de forma moderada.
"Walk On" ou "siga em frente", a frase motivacional que conduziu Lee à reação |
Após sua incrível
recuperação, Bruce teria emoldurado aquela frase motivacional “Walk On”, colocando-a
num lugar de destaque em sua casa, para que nunca mais se deixasse abater com
qualquer situação. Suas anotações e desenhos resultantes de estudos feitos e
extraídos dos diversos livros de artes marciais e de filosofias que leu durante
sua convalescença, foram editados posteriormente depois de sua morte por Linda
Lee, no que resultou na obra (ainda que não definitiva) “Tao do Jeet Kune Do”.
Graças à influência
de filósofos, como Jiddu Krishnamurti, ele teria desenvolvido o conceito de
Jeet Kune Do (O Caminho da Intercepção dos Punhos). A filosofia que definia o
Jeet Kune Do foi largamente difundida nos dois primeiros episódios de
“Longstreet” (série de televisiva policial com James Franciscus, em meados de
1971) dos quais Lee participou graças ao convite do produtor Stirling Silliphant,
seu amigo e discípulo, que lhe amparava há pouco menos de um ano depois dele
ter se lesionado gravemente durante os treinos. Lee parecia estar completamente
recuperado.
Ainda em 1971, Bruce
Lee retorna para Hong Kong esperançoso, mas se sentindo rejeitado por Hollywood.
Aproveitando a fama conquistada e o reconhecimento pelo seu trabalho em O
Besouro Verde como Kato, ele se oferece a produtores locais e inicia a carreira
de ator de filmes de artes marciais que o consagraria mundialmente. O primeiro
filme foi The Big Boss (O Dragão Chinês) lançado em outubro do mesmo ano. Quem
assistiu ao filme no ano de seu lançamento certamente ficou admirado com a
performance do “Pequeno Dragão” sem sequer imaginar que alguns meses antes ele
estava praticamente condenado a não mais praticar artes marciais pelo resto de
sua vida.
Bruce Lee em O Dragão Chinês (The Big Boss - 1971), surpreendendo com sua técnica e vigor físico. |
Mas o incômodo nas
costas nunca o deixou definitivamente, ele se viu obrigado a tomar um
medicamento específico que amenizava a dor que regularmente o perseguia durante
os sets de filmagens e, inclusive, diziam as más línguas que ele passou a usar
a marijuana regularmente para amenizar seu sofrimento. Ninguém sabe ao certo o
que ele sofria fisicamente para manter aquela imagem de imbatível lutador e
consagrado “rei do Kung Fu”. Sua breve vida foi literalmente uma luta, e não
temos a dimensão do esforço e do custo de tudo isso para ele, principalmente
nos seus três últimos anos de vida, do dia 13 de agosto de 1970 a 20 de julho
de 1973.
Uma mesma versão
fantasiosa, endossada pela viúva e pela filha de Bruce, chegou às telas do
cinema e da TV nos últimos anos contando uma versão dramática e fictícia sobre o
que causou aquela lesão que Bruce Lee teria sofrido naquela manhã de agosto de
1970. No filme “Dragão: A História de Bruce Lee” (de 1993, com Jason Scott Lee),
que foi baseado no livro de Linda Lee (“The Man Only I Knew”), ou mesmo na
série de TV produzida em Hong Kong, “The Legend of Bruce Lee” (de 2008, com Danny
Chan) com a produção executiva de Shannon Lee, ambas retrataram que o terrível
ferimento teria sido ocasionado por conta do confronto em que Bruce Lee teria
tido com um professor rival de Kung Fu estilo Shaolin do Norte, chamado Wong
Jack Man.
Bruce Lee com James Yimm Lee na época do provável confronto com Wong Jack Man |
...e depois de ser declarado vencedor, é atacado covardemente pelas costas! |
Na versão de "Dragão: A História de Bruce Lee" a recuperação é muito dramática |
Segundo a versão fantasiosa, sob a imposição dos líderes mafiosos da
Chinatown de San Francisco, Bruce só teria o direito de administrar aulas aos
não chineses se vencesse em combate Wong Jack Man, que o teria desafiado
oficialmente. O confronto se deu e Bruce teria vencido a luta de acordo com as
testemunhas presentes, inclusive a própria Linda Lee. Mas na versão para o
filme e também para a série de TV, após ser derrotado, Wong Jack Man teria
golpeado Bruce Lee covardemente pelas costas causando-lhe a grave lesão.
Capa do filme em DVD de "Dragão: A História de Bruce Lee", uma versão fantasiosa com o endosso de Linda Lee |
Capa do DVD da série de TV de Hong Kong recheada de elementos fictícios, The Legend of Bruce Lee (Bruce Lee, a Lenda), com o aval de Shannon Lee |
Ora, é claro que não
foi assim que ocorreu. Na verdade, Bruce Lee teria enfrentado Wong Jack Man (ambos
com 24 anos) em dezembro de 1964, Linda estava presente e grávida de Brandon
Lee (que nasceria dois meses após, em fevereiro de 1965). Outro que foi
testemunha foi Jimmy Yimm Lee (falecido de câncer em 1969), um dos primeiros
discípulo e parceiros de Bruce; além de William Chen, professor de Tai Chi
Chuan e outras testemunhas do lado de Wong Jack Man. Esse confronto desgastante
foi o que levou a Bruce Lee a questionar a real eficiência do Wing Chun e sua
própria condição física. A lesão nas costas só ocorreria verdadeiramente seis anos
após, em sua casa pela manhã, durante um exercício com pesos mal executado.
Bruce Lee em 1964, aos 24 anos, provavelmente na época do confronto com Wong Jack Man, com seus alunos da academia de Oakland |
Wong Jack Man, o jovem lutador do estilo Shaolin do Norte que ousou desafiar o impulsivo Bruce Lee na sua própria academia no ano de 1964 |
Wong Jack Man, muito técnico e estiloso, mas quem realmente venceu o confronto? |
Deus é soberano sobre
nossas vidas, quer creiamos ou não. Bruce Lee creu em si mesmo e na sua própria
força para se recuperar fisicamente, mas é certo que sua vitória ocorreu com a
permissão do nosso Senhor. Mas é inegável que Bruce Lee era um guerreiro, revolucionário
e inovador e sem o seu surgimento, talvez as artes marciais não teriam evoluído
ou não despertariam tanto interesse mundial como hoje em dia, 43 anos depois de
sua morte. E como costumo frisar, a vida real do Pequeno Dragão era mais rica e
intensa do que qualquer obra de ficção cinematográfica. Em um próximo post
tratarei do polêmico confronto entre os jovens lutadores Bruce Lee e Wong Jack
Man ocorrido no ano de 1964 em Oakland,
na Califórnia. Assunto controverso até os dias de hoje.
Eumário J. Teixeira.