quinta-feira, 21 de abril de 2016

BRUCE LEE E O AVISO OFENSIVO À RAÇA CHINESA EM HUANGPU PARK


Na filme A Fúria do Dragão (Fists of Fury – 1972) o personagem principal do filme, Chen Zhen (interpretado por Bruce Lee), se dirige ao cemitério-parque de Xangai para visitar o túmulo de seu mestre que morreu de forma misteriosa em sua própria casa. Ao chegar ao portão de entrada, Chen é barrado pelo guardião do local que ainda lhe mostra uma placa com os seguintes dizeres humilhantes: “Proibido a Entrada de Cães e Chineses”.  Em seguida o guardião do portão, aparentemente origem indiana, permite a entrada de uma senhora com seu cão de estimação para a perplexidade de Chen que o questiona irado. Nesse instante chega um grupo de quatro ou mais japoneses (que faziam parte da coligação internacional invasora) que percebendo a irritação de Chen, tentam induzi-lo a rastejar tal a um cão como condição para ele adentrar no parque. Bem, aí você pode imaginar o que aconteceu com os pobres japoneses. Após acabar com  eles na base de socos e chutes fulminantes, Chen se volta para a placa fixada próximo ao portão de entrada, salta e a arranca com um chute, e ainda no ar, num segundo movimento, despedaça a placa humilhante com outro chute frontal destruidor. O recado estava dado aos invasores da China e ao público chinês dos cinemas que aplaudiram e se extasiaram com a performance explosiva do mais recente herói das telas de Hong Kong e de toda Ásia, Bruce Lee! 

Chen chega aos portões do cemitério parque...

É barrado pelo guardião...

Questiona pela razão do impedimento...

Chen irado aguarda a resposta...

O aviso humilhante é mostrado...

Chegam os japoneses provocadores...

Tentam humilhar Chen...

E despertam a fúria do discípulo de Huo Yuanjia...

Resultado: Placa com aviso humilhante destruída
A pergunta é: A placa ofensiva e humilhante realmente existiu em algum momento da história chinesa? Vamos por partes.  

"Proibida a Entrada de Cães e Chineses", esse aviso realmente existiu?    
O mestre falecido de Chen Zhen se chamava Huo Yuanjia, ele realmente existiu e era muito respeitado pelo povo chinês e mesmo pelos invasores estrangeiros pela sua nobre educação, ética, intelectualidade, conhecimentos sobre ervas medicinais e artes marciais. Huo Yuanjia adoeceu gravemente e faleceu em 14 de setembro de 1910, em Xangai, onde comandava um centro de artes marciais chinesas. Ele tinha apenas 42 anos. Sua morte foi considerada suspeita, cogitaram até a hipótese de envenenamento gradual a mando de líderes invasores japoneses com a ajuda de traidores chineses dentro da casa do próprio mestre. 

Mestre Huo Yuanjia foi realmente morto em 1910 aos 42 anos. Na cena, Chen (Bruce Lee)
revoltado, não aceita a morte precoce do mestre (no retrato ao fundo)
A China nessa época era ocupada por uma colisão internacional integrada por ingleses, franceses, japoneses e mais tarde norte-americanos. Os  invasores humilhavam o povo chinês e tentavam desmoralizar ou eliminar seus heróis nacionais. Huo Yuanjia, possivelmente, era um alvo dos usurpadores.

Chen Zhen realmente existiu?
Chen Zhen, segundo consta, realmente existiu, era um dos discípulos mais capacitados de Huo Yuanjia que teria se revoltado com a morte precoce de seu mestre. Mas não se sabe maiores detalhes sobre ele e qual foi seu destino, apenas especulações e hipóteses não confirmadas que vão desde morte por fuzilamento até fuga forçada de Xangai.

A placa mítica usada para o filme

Brandon e Shannon (filhos de Bruce Lee) ainda crianças no intervalo das filmagens de
A Fúria do Dragão (Fists of Fury - 1972) . Shannon exibe o aviso polêmico.

Bruce Lee dirigindo a famosa cena de luta nas portas do cemitério parque em Fists of Fury
Sobre a placa com os dizeres “Proibido a Entrada de Cães e Chineses” há controvérsias. Os historiadores sérios dizem não haver nenhum registro fotográfico ou testemunho registrado de alguém  que viveu naqueles anos que confirme  a placa com essas palavras ofensivas e humilhantes. A placa teria sido fixada na entrada do que é atualmente o Huangpu Park, em Xangai, na China ocupada e fragilizada, por volta de 1908 a 1910, alguns anos após a Guerra dos Boxers, segundo a lenda.
Alguns afirmam que esse mito foi revivido na década de 1950 para a reunificação e reerguer a moral do povo chinês do pós-guerra e acabou se tornando um folclore que nunca foi desmentido.

Fists of Fury (A Fúria do Dragão) consagrou definitivamente Bruce Lee
 como ídolo maior dos chineses em todo o mundo
Oportunamente tal fato ou simples lenda, foi devidamente explorada no filme “A Fúria do Dragão” (Fists of Fury – 1972) pelo roteirista e pelo diretor do filme. Hong Kong dos anos de 1970, ainda que independente da China Comunista, era uma colônia britânica, e o povo chinês  carecia de auto-estima e ansiava por um herói com quem pudessem se identificar, ainda que fosse  um ator de cinema. E o tiveram, só que o herói tão esperado não era realmente qualquer um, era ator carismático e também um talentoso artista marcial que estava em plena ascensão: Bruce Lee! 

A verdadeira placa de Huangpu Park, em Xangai, fixada em 1917
Historiadores confirmam através de documentos e fotos que a placa afixada na época de Huo Yuanjia, não tinha esses dizeres humilhantes e discriminatórios a chineses, apenas um regulamento com dez itens e teria sido fixada por volta de 1917. Apesar disso, houveram relatos de outros estudiosos confirmando que de fato os chineses eram discriminados, humilhados e até mortos sob acusação de rebelião pelos invasores.

A cena de A Fúria do Dragão (Fists of Fury) de  1972, foi filmada na verdade em Macau,
na entrada do parque Luis de Camões


A entrada do parque Luís de Camões praticamente permanece inalterada desde 1972
Outra curiosidade sobre o assunto é que na verdade a famosa cena de A Fúria do Dragão em que Chen (Bruce Lee) chuta a placa  e a despedaça no ar, não foi filmada no parque histórico de Xangai, mas em frente dos portões do parque Luís de Camões, em Macau.
Macau, é um  território composto pela península (que leva o nome) e mais duas ilhas a 60 km de Hong Kong, na época (1972) era ainda um território chinês administrado por Portugal, mas desde 1999 voltou a ser controlado novamente pela China comunista. A escolha por Macau foi por causa das dificuldades encontradas para filmar em Xangai, em plena China comunista e além do mais, o parque de Macau lembrava, segundo alguns, o parque Huangpu. Sem contar que já havia por lá estúdios para filmagens adquiridas anteriormente em negócio pela produtora Concord de Hong Kong, o que facilitou em muito a redução de gasto das filmagens.


O aviso “Proibida a Entrada de Cães e Chineses” se foi inventada ou não com o propósito de estimular a revolta e a auto-estima do povo chinês, ninguém saberá ao certo, mas é evidente que a oportuna exploração do mito no filme A Fúria do Dragão fez com que os chineses de Hong Kong no início da década de 1970 pudessem bradar ao mundo que agora eles também  tinham um herói tão poderoso quanto os ídolos estrangeiros, um chinês explosivo de 1,68 m, chamado Bruce Lee, pouco depois conhecido como o Rei do Kung Fu.

Por Eumário J. Teixeira.