quarta-feira, 3 de junho de 2015

BRUCE LEE E SUA ROTINA DIÁRIA DE TREINAMENTO - Parte IV


Para concluir a série “Bruce Lee e sua Rotina Diária de Treinamento”, vou tentar descrever aqui o que ele pensava sobre a importância da luta real ou sparring. Bruce Lee defendia com veemência o preparo físico, a força muscular e era famoso por suas proezas físicas, nas demonstrações de quebramentos, flexões com apenas um dedo, poder nos golpes, etc. E embora muitos praticantes de artes marciais, antes ou depois da era Bruce Lee, tivessem conseguido equipara-lo ou até mesmo superá-lo nessas exibições de força física ou muscular, ele sempre dizia: “Lembrem-se, só porque você consegue sair-se muito bem num treino suplementar, não ponha na cabeça que você é um expert. Lembre-se bem que qualquer espécie de treino é somente um meio em direção a uma meta posterior; sparring é o objetivo final, todo treinamento anterior é apenas um meio em direção a ele”.

O "segredo" é fazer da sua arte uma forma livre, viva e contínua de auto-expressão
Bruce afirmava que cada indivíduo deveria ter seu treino técnico individualizado, ou seja, conforme suas aptidões naturais. O praticante deveria procurar se aprimorar nas técnicas com as quais mais naturalmente se adaptasse.  Ele defendia a idéia que o lutador só alcançaria um nível satisfatório para a defesa pessoal, se pudesse encontrar  sua habilidade natural em determinadas técnicas, aproximando-se assim de sua própria realidade e personalidade numa forma autêntica de auto-expressão.


No final da década de 1960 e início dos anos de 1970, Bruce Lee disseminava suas idéias revolucionárias sobre sparring, inspirado no que absorvia do boxe, wrestling, jiu-jitsu, judô e rotinas de outras disciplinas marciais que visavam o contato direto ou corpo-a-corpo. Assim, o estilo livre de sparring com equipamento protetor era prioridade para Bruce Lee, que declarava: “Não há nada melhor do que estilo livre de sparring na prática de qualquer arte combativa. Em sparring, vista proteção adequada e vá em frente com tudo. Então você poderá aprender verdadeiramente o “timing” correto e distância apropriada para desferir chutes e socos.” 

O conceito, treinamento e técnicas do boxe ocidental influenciaram definitivamente a Bruce Lee
na concepção do Jeet Kune Do


“É uma boa idéia treinar com toda a espécie de indivíduos: altos, baixos, rápidos, desajeitados...sim, as vezes companheiros desajeitados podem surpreender um lutador mais capacitado, porque a aparente inaptidão deles funciona como uma espécie  de ‘quebra de ritmo’. Embora o melhor parceiro de sparring é o lutador louco que vem atropelando, arranhando, agarrando, socando, chutando, etc.” - Bruce lee

Bruce Lee assimilou em seu "sistema de luta" os principais golpes do  boxe ocidental, como o gancho e o direto



“Para mim, totalidade é muito importante em sparring. Muitos estilos clamam que podem competir com todos os tipos de escolas marciais que suas estruturas cobrem toda espécie de ataque e também podem revidar em todas as linhas e ângulos possíveis. Se isso fosse verdade, então de onde vêm todos esses diferentes estilos? Ainda, se estão em totalidade, por que alguns usam somente linhas retas, outros linhas circulares, outros apenas chutes e outros ainda querem ser diferentes apenas nos movimentos de mãos?” - Bruce Lee

Bruce Lee interceptando a investida do adversário com o seu famoso chute lateral direto



“Um sistema que adere a apenas um determinado aspecto de combate está delimitado e restringido. Um artista marcial que se exercita, exclusivamente numa forma fixa de combate está perdendo sua liberdade, está em realidade se tornando escravo de um sistema escolhido e acha esse sistema é a realidade. Isso leva ao engano, porque o modo de combate nunca é baseado em escolha pessoal ou em fantasias. Ao contrário, muda constantemente de momento a momento e o então desapontado lutador logo descobre que sua ‘escolhida rotina’  carece de maleabilidade.” - Bruce Lee

Bruce aplicando o chute lateral circular com o peito do pé no rosto do adversário



“Deve haver um ‘ser’ em vez de um ‘fazer’, em treinamento. O indivíduo precisa ser livre. Em vez de complexidades de forma, deve haver simplicidade de expressão. O indivíduo deve estar ‘vivo’ em sparring, desferindo socos e chutes de todos os ângulos e não sendo um mero robô cooperativo. Como a água, deve ser ‘sem forma’ e tomar a forma necessária no momento certo, mudando-a de acordo com a circunstância. Coloque a água numa xícara, ela se moldará à xícara. Tente socá-la ou chutá-la e ela se torna elástica. Agarre-a e ela cederá imediatamente. De fato, escapará conforme for sendo aplicada pressão sobre ela. A verdade é que o ‘nada’ não pode ser confinado e que a substância mais suave não pode ser quebrada!” - Bruce Lee

Bruce Lee interceptando o adversário com um chute frontal no peito

Bruce Lee contra-golpeando com um chute lateral circular nas costelas do adversário
“Ser eficiente no sparring ou na luta real não depende de uma forma correta, clássica ou tradicional. Eficiência é tudo que é positivo e funcione. Praticar formas fantasiosas e adotar posições clássicas, avançar sob uma norma fixa aprendida por repetição substituindo a liberdade do sparring é como tentar armazenar água num saco de papel. Para algo que é estático, fixo, morto, pode haver um caminho ou percurso definitivo, mas não para algo que está em constante movimento e bem vivo.” - Bruce Lee

Bruce Lee, à curta distância, desferindo um chute circular (de fora para dentro) com a parte
lateral interna do pé na cabeça do adversário

Bruce Lee, à média distância, desferindo um chute circular (de dentro para fora) com
a faca do pé na cabeça do adversário
“Na luta real não pode haver percurso exato, pré-definido ou um método inflexível. Mas, em vez disso, um estado de alerta e prontidão, uma condição de estar ciente sem pré-escolha, de um jeito perceptível e maleável. Sparring vive de momento a momento e muda de momento a momento. A idéia do ‘duro’ versus ‘suave’ e do ‘externo’ versus ‘interno’ deixa de ser importante. O yin e o yang são, em verdade duas metades de um todo. Cada metade é igualmente importante e cada uma é interdependente da outra. Se há uma rejeição de uma ou outra, pender-se-á num extremo. Os que aderem ao extremo são conhecidos como fisicamente limitados ou intelectualmente limitados. Mas os primeiros são mais toleráveis, pelo menos em combate eles se esforçam.” - Bruce Lee

Bruce Lee usando técnicas de wrestling num treinamento 
Da parte de um depoimento de Linda Lee, esposa de Bruce Lee, extraído do livro, Bruce Lee: The Man Only I Knew: "No seu tempo, o estilo das artes marciais de Bruce evoluíram tanto que ele teve que dar um nome próprio para seu estilo – Jeet Kune Do. Ele explicou que ‘jeet’ significa ‘parar ou interceptar’; ‘kune’, punho e ‘do’, ‘caminho ou a última realidade’. Bruce explicou: ‘É a direta expressão dos sentimentos de alguém. Com o mínimo de movimentos e energia. Não há mistério. Meus movimentos são simples, diretos e não clássicos.’ Não havia jogos de regras ou formas clássicas no Jeet Kune Do porque eles costumam ser rítmicos. Quando Bruce fazia ‘sparring’ usava ‘ritmos quebrados’, acrescentando: ‘Formas clássicas são tentativas fúteis para aprisionar e fixar os movimentos sempre mutantes em combate e analisá-los e dissecá-los como um cadáver. Mas quando você está em combate real, você não está lutando com um cadáver. Seu adversário é um objeto vivo e em movimento, que não está numa posição fixa, mas fluído e vivo.'


'Trate-o realisticamente. Não como se você fosse um robô em luta.’ De suas próprias observações, ele há muito tempo verificou que a maioria das formas de Kung Fu, Karatê, Taekwondo e outras artes marciais eram baseadas em estilos, que são basicamente incompletos. Cada um tinha suas próprias formas, movimentos e assim por diante e cada praticante ia para a luta acreditando que ele tinha todas as respostas. Por essa razão Bruce recusou chamar ‘Jeet Kune Do’ de ‘estilo’, porque ele sentia que iria limitá-lo. Como resultado, JKD não possuía regras, formas, nem um conjunto de movimentos e técnicas com os quais pudesse opor-se à outras técnicas. Sua própria essência era auto-expressão, que por sua vez demandava grande auto-conhecimento. Não era, por isso, um modo de luta que podia ser facilmente ensinado. Muitas dessas constatações surgiram de sua leitura e subsequente compreensão de forças da natureza, enquanto outras foram produto de suas próprias experiências."



Atualmente, Bruce Lee é considerado por muitos como sendo o "pai do M. M. A. (Mix Martial Arts)", graças
às suas idéias revolucionárias sobre o verdadeiro objetivo das artes marciais. A primeira cena de luta do filme Operação Dragão, na qual Lee enfrenta Sammo Hung, ilustra bem essa idéia.  Mas ainda assim, o M. M. A.,  com sua proximidade de luta real, limita o conceito inovador de Bruce Lee de como se expressar naturalmente num combate, pois não passa de uma competição controlada por regras e regulamentos que castram a  livre criação.
Bruce Lee costumava dizer: “Nenhuma natação simulada em terra os preparará para a água. O melhor exercício para a natação é nadar. O melhor exercício para o Jeet Kune Do é a luta real”.

Bruce Lee incentivava seus alunos treinar sparring com material de proteção adequado, para
assim exercerem o pleno contato em total liberdade


Dan Inosanto, um dos primeiros parceiros de Bruce Lee, descreveu assim a prática de JKD: “Os alunos de Bruce praticavam uma espécie de luta de rua, agressiva mas polida. Usavam equipamento de sparring e desferiam-se mutuamente golpes parecidos  com o boxe (ocidental) e com a luta-livre (wrestling) e às vezes até com o boxe tailandês. Praticavam com luvas de 12 ou 16 onças e eram encorajados a bater e a chutar abaixo da cintura, especialmente nas canelas, joelhos e testículos.”



Bruce Lee aplicando um chute lateral circular em Bolo Yeung (Yang Sze)
Para finalizar, mais algumas citações de Bruce Lee sobre a filosofia do JKD, que ele mesmo gostava de considerar como ‘Método Científico de Briga de Rua’: “Ao fazer uma estátua o escultor não adiciona massa ao seu trabalho. Na verdade, ele retira todo o desnecessário até que se revele a verdade, sem obstruções. Assim, ao contrário do ensinamento dos estilos organizados, ser bom em Jeet Kune Do não significa adicionar mais. Significa minimizar. Em outras palavras, excluir o desnecessário. Não é um acréscimo diário e sim um decréscimo diário.”

Bruce Lee "brincando" com Bob Wall no intervalo das filmagens de Enter the Dragon (Operação Dragão - 1973)
“A arte é a expressão real do ser. Quanto mais complexo e restrito for o método, menos oportunidades haverão para a expressão do sentido original de liberdade. Lembrem-se, estão expressando as técnicas e não fazendo as técnicas.  Se alguém os atacar, sua reação não é a técnica nº 1, posição nº 2, seção 4, parágrafo 5. Ao invés disso, mova-se simplesmente – como o som e o eco – sem qualquer deliberação.” - Bruce Lee


Aqui encerro a série sobre o Treinamento Diário de Bruce Lee; quero agradecer a todos que responderam positivamente ao meu trabalho, deixando claro que minha intenção desde o princípio foi o de informar e agregar conhecimento sobre o Pequeno Dragão. A todos os que postaram comentários ou somente acessaram aos posts, meu sincero agradecimento e continuem participando. Muito Obrigado mesmo!

Por Eumário J. Teixeira.