Mesmo após
41 anos após a morte de Bruce Lee, seu nome ainda gera muita polêmica,
discussões, debates e estudos sobre sua controvertida personalidade. Mas se
você tem alguma dúvida sobre quem realmente foi o verdadeiro Bruce Lee, basta
recorrer à opinião de um homem com inquestionável caráter, um norte-americano
de descendência japonesa que atende pelo nome de Taky Kimura. Ele foi um dos primeiros
a apoiar Bruce Lee em seus projetos ambiciosos sobre artes marciais assim que ele (Bruce) pisou em solo norte-americano aos 19 anos de idade.
Kimura está atualmente com 90 anos e um homem com tamanha longevidade, não
permanece fiel à memória de alguém que se foi há mais de 40 anos se essa pessoa
realmente não merecer tal dedicação e ter sido tão importante em sua vida.
Assim presto através deste pequeno texto uma homenagem a este homem dedicado e
perseverante que ainda está entre nós e que nos oferece um belo exemplo de
fidelidade a uma amizade, um sentimento que hoje em dia está cada vez mais raro
e desvalorizado.
Taky Kimura –
Nascido em 1924 é considerado um dos dois alunos mais antigos de Bruce Lee, o
outro seria Jesse Glover (falecido recentemente). Kimura foi realmente um dos
amigos mais próximos de Bruce Lee desde o início da década de 1960 e um dos
únicos a receber um certificado de instrutor do Instituto Jun Fan Gung Fu (que
hoje tratam como Jeet Kune Do) diretamente de Lee. A vida de Taky Kimura não
foi fácil, quando estava com 18 anos, os EUA haviam entrado na Segunda Guerra
Mundial e por ser filho de Japoneses, Kimura foi confinado a um campo de
concentração apesar de ser legalmente cidadão norte-americano. O confinamento
impediu que Kimura concluísse sua formatura no ensino médio. Ao encerrar o conflito
mundial em 1945, ele foi finalmente libertado no seguinte, mas se sentia
humilhado, discriminado e não tinha mais nenhuma motivação. Sua situação em
relação aos estudos era ainda mais grave porque sua família não tinha mais
condições de custear sua educação universitária mesmo se ele resolvesse voltar
a estudar. Mas com todas dificuldades a família abriu uma mercearia na cidade
de Seattle, Washington.
Famílias nipo-americanas chegando ao campo de concentração na California |
Campo de realocação de Tule Lake na California |
Em Tule Lake, Kimura e família permaneceram confinados por 4 anos |
As coisas
começaram a mudar para Taky Kimura aos 35 anos (em 1959) quando conheceu um
jovem chinês de 19 anos recém chegado de Hong Kong que se dizia chamar Bruce
Lee. Kimura logo atraído pelo carisma e auto-determinação do jovem Bruce Lee se
juntou a ele na primeira versão do Instituto Jun Fan Gung Fu (ou Instituto de
Kung Fu Lee Jun Fan – nome chinês de Bruce Lee). A escola lecionava o “estilo
interno” do sul da China conhecido como Wing Chun, que essencialmente tinha 70
% de técnicas com as mãos e 30% com os pés, sendo que os poucos golpes de pés
eram da altura da cintura para baixo. Mas isso foi se modificando aos poucos à
medida que Bruce Lee se relacionava com lutadores de outros estilos dentro e
fora da comunidade chinesa de Seattle, levando-o a incorporar técnicas de
outros estilos de kung fu e passando a utilizar também os chutes altos mais vistosos,
mas isso é assunto para outro artigo.
Taky Kimura e o jovem Bruce Lee em meados da década de 1960 |
Taky Kimura
viu no jovem Bruce Lee uma segunda chance em sua vida, assim passou a ser seu
assistente direto e amigo íntimo. Kimura cedeu o porão da mercearia do família
para ser a primeira sede do Instituto Jun Fan Gung Fu e entregou-se totalmente
aos ensinamentos técnicos e filosóficos do jovem Bruce Lee que lhe valeram por
toda vida, fazendo com que recuperasse a auto-estima e tivesse um objetivo em
sua vida.
Kimura
participou de diversas demonstrações de Bruce Lee no início da década de 1960
por algumas cidades da costa da California como San Francisco, Oakland, Los
Angeles e principalmente em Long Beach,
onde fez sparring com Lee e foi demonstrado o famoso soco de uma polegada.
Taky Kimura praticando técnicas Wing Chun Kung Fu com Bruce Lee |
Taky Kimura faz sparring com Bruce Lee no torneio de Long Beach, na California |
Taky Kimura
foi padrinho no casamento de Bruce Lee e Linda Emery em 1965 e foi também um dos três únicos a
receber o certificado de instrutor qualificado de Jun Fan Gung Fu, os outros
dois foram James Yimm Lee e Dan Inosanto. Kimura teria sido autorizado a
ensinar o Jun Fan Gung Fu sob o lema de “manter os números baixos e a qualidade
alta.” Até hoje, a única pessoa que recebeu um certificado de instrução de Taky
Kimura foi seu filho Andy Kimura, que atualmente está à frente nas instruções
técnicas da escola Jun Fan Gung Fu de Seattle auxiliado por Abe Santos. Taky
Kimura teve a honrosa incumbência, ainda que dolorosa, de carregar o caixão de
Bruce Lee no funeral em Seattle em julho de 1973. Os outros foram Dan Inosanto,
Steve McQueen, James Coburn, Ray Chin e Robert Lee, irmão de Bruce.
Taky Kimura e seu filho Andrew (Andy) Kimura |
Bruce Lee
tinha projetos para Kimura no cinema, que era uma forma de mostrar sua gratidão
ao velho parceiro de tantos anos. Bruce já estava morando em Hong Kong e já era
famoso em toda a Ásia quando telefonou para Kimura em Seattle confirmando sua
participação no seu próximo filme que seria “The Game of Death” (O Jogo da
Morte) depois de ter feito “The Way of the Dragon” (O Vôo do Dragão) em 1972.
Kimura ficou relutante com o convite se dizendo desajeitado demais para
participar de um filme, mas Bruce não lhe deu ouvidos, exigiu sua participação
e prometeu lhe enviou as passagens. Kimura iria representar o guardião do
segundo andar do templo no filme o Jogo da Morte (no projeto original). Ele
seria mestre do estilo Louva-a-Deus (Praying Mantis). As cenas chegaram a ser
filmadas, mas não foram localizadas e assim não foram usadas na versão de “The
Game of Death” de 1978, ou no documentário de John Little, “A Warrior’s Journey”
de 1999.
Mas Taky
Kimura aparece em diversos outros documentários sobre Bruce Lee, como em “How
Bruce Lee Changed the World” de 2009; “Bruce Lee in G. O. D.” De 2000; “The Path of the Dragon” de 1998; “The
Life of Bruce Lee” de 1994; “The Curse of the Dragon” de 1993; e “Bruce Lee The
Legend” de 1977.
Taky Kimura recuperou sua dignidade ao conhecer e treinar com Bruce Lee |
Taky Kimura com seu filho Andy e neto, durante sua formatura em 2009 |
Finalmente
em 2009, aos 85 aos de idade, Taky Kimura recebeu o diploma de conclusão do
Ensino Médio na Clallam Bay High School, em Clallam Bay, Washington. Na
cerimônia Kimura se lembrou que em junho de 1942, ele havia recebido uma bolsa
de estudos para cursar medicina na Washington State University e de repente, no
mesmo dia, ele, sua família e mais algumas pessoas foram postos em um vagão de
um trem antigo e foram transportados
para o Campo de Internamento de Tule Lake, destinados aos
nipo-americanos da California, próximo da fronteira com o estado de Oregon.
Tule Lake foi o maior dos dez campos de realocação de guerra autorizado por uma
ordem executiva do governo norte-americano, emitida em 19 de fevereiro de 1942,
para deter pessoas de descendência japonesa em resposta ao ataque japonês de
Pearl Harbour em 7 de dezembro de 1941. Tule Lake foi aberto em 26 de maio de
1942, chegou a confinar 18.700 pessoas e foi desativada em 28 de março de 1946.
A família Kimura ficou detida por quatro anos e quando saíram não eram mais do
que “sem teto” sem saber o que fazer ou para onde ir. Segundo o próprio Taky
Kimura disse: “Ninguém nos daria um emprego ou alugaria um lugar para nós.” Ele
e sua família foram para Seattle tentar a sorte onde finalmente abriram uma
mercearia onde cujo porão se tornaria a primeira sede do Instituto Jun Fan de
Kung Fu.
Taky Kimura com Bruce Lee e discípulos do Jun Fan Gung Fu |
Taky Kimura
estava psicologicamente e mentalmente quebrado quando conheceu Bruce Lee
casualmente no campo de Beisebol da Universidade de Washington, ele tinha 36
anos e Bruce apenas 18 anos. Como observou Kimura: “Eu estava com a idade para
ser seu pai, mas foi ele que se tornou uma espécie de pai substituto para mim. Quando
comecei a aprender com ele, me olhei no espelho e passei a acreditar que eu também
era um ser humano, então reconstruí todo o meu pensamento.”
Há um
consenso que dentre todas as pessoas que se relacionaram com Bruce Lee, Taky
Kimura é considerado a melhor de todas elas. Não porque era o melhor artista
marcial, mas porque além de ser o mais antigo aluno e parceiro, foi realmente
amigo de Bruce Lee e porque tinha (e tem) um excelente caráter. Desde 1964
Kimura assumiu seu papel de instrutor de Jun Fan Gung Fu (hoje, considerado
Jeet Kune Do) em Seattle, permanecendo fiel ao seu trabalho até hoje com a
assistência do seu filho Andy Kimura. Taky Kimura jamais aceitou receber alguma
compensação por seu trabalho em nome de Bruce Lee e fielmente permaneceu
zelador, para não dizer guardião, da sepultura de Bruce Lee por 30 anos e, é claro, cuidou também do túmulo de Brandon Lee desde 1993.
Taky Kimura zeloso com os túmulos de Bruce e Brandon por mais de 30 anos ao lado do discípulo Abe Santos |
Em uma das
várias cartas dirigidas ao amigo Taky Kimura por Bruce Lee na época em que era
bastante assediado devido à sua fama crescente em Hong Kong e em toda Ásia,
Bruce Lee declarava: “Você é o único em que posso confiar, você é o meu melhor
amigo.”
Taky Kimura
é um homem respeitado no círculo de admiradores e seguidores de Bruce, e ele é
considerado um exemplo vivo de impacto positivo do que a filosofia de Bruce Lee
produziu na vida das pessoas que o acompanharam ainda em vida ou após sua morte.
Por Eumário
J. Teixeira.